Terremoto querido
Um clímax agasalhado, deveras oportuno. Certamente. Abraçado, talvez, com a devida empolgação de uma criança que descobre o fogo. Pouco conheço de crianças, mas presumo. E eu nem prestei contas e os habituais xingos ao meu fiel bate-estacas, já devidamente apresentado em outras edições. Conto que a lágrima foi sincera ao tirar o cobertor do armário, estendê-lo sobre a cama e me entregar ao cansaço de mais uma noite virada de trabalho. O céu acinzentado, uma temperatura amena e o vento gelado dançando pelas frestas de uma janela de alumínio desacostumada com as baixas temperaturas. Três acontecimentos anormais que embalaram o meu sono, finalmente, revigorante. Acordei descansado, como há muito não me sentia. Questões climáticas interferem diretamente no meu sono. Primeiro, durmo de dia. Segundo, sofro com um desvio de septo de dimensões aterrorizantes que prejudica a minha respiração e faz da almejada “conchinha”, uma espécie de sinfonia engasgada que quase sempre termina com o boy segurando numa mão, o alho e na outra, uma cruz ou dormindo na sala com o travesseiro na cabeça. No dia seguinte, envergonho a face e tenho que dizer meloso: “É o meu jeitinho…”
Agora, de volta aos termômetros: essas são as mudanças que eu espero ansiosamente. Estações. Tão maluco quanto estar dentro de um círculo azul girando no escuro, mas já falamos disso por aqui também. Mesmo com o esforço diabólico dos psico e nazibilionários, mesmo com o desrespeito e perseguição aos defensores do clima, com o economês fascista e as ilógicas lógicas de mercado, as mortes sucessivas de líderes indígenas, mesmo com os aerossóis, com as cabeças de gado, o latifúndio, mesmo com a extinção de biomas em prol da soja, o planeta segue essa filosofia de agradar gregos e troianos. Isso é altruísmo puro. Não nego que sonho com uma revolta de Gaia: tsunamis destruindo costas inteiras, tornados assassinos, insetos devorando as lavouras… somente assim um aprendizado se firmaria, mas enquanto isso não acontece, acompanho impressionado a beleza dessas mudanças que interferem no tamanho da unha do meu pé e no meu humor já bastante instável.
E não tem como. Talvez, seja realmente uma pista. A natureza traz o hint na ponta da folha e você caminha uma vida atrás de estabilidade. Do exato contrário do motivo que a gente ainda pisa por esse planeta. É que acho que mudar é mais aceitar os sismos que chacoalham ou chacoalharão o seu duplex. Há duas semanas, o tabefe veio de onde eu não esperava, de alguém que eu jamais poderia supor, mas que me entregou uma história tão necessária e eficaz sobre as mudanças. Uma pessoa, até então desconhecida, que traçou uma existência metamorfoseado, que definiu frágeis estabilidades, somente para enfrentar os tempos de crise, mas que, no geral, soube surfar sobre os maremotos e os cristalinos oásis que a instabilidade proporciona. Esse tipo de vida indomada me faz muita falta. Talvez, seja por isso que eu invejo tanto a vida dos artistas de sucesso. De quem conseguiu ser reconhecido. Porra, ter no bolso apenas minha escrita. Fazer dela uma fonte de renda e poder me abrir ao mundão. Deixar as intempéries temperarem ainda mais o meu texto. Eu acho que me acostumei a uma rotina. Nunca fui defensor, mas hoje não sei olhar depois do muro. Envelhecer é também aceitar a covardia. É por isso que eu gosto tanto de ouvir quem optou por nadar contra a corrente e não fazer nada do que era estipulado. Do insuportavelmente esperado. Realmente estas pessoas me impressionam bem mais do que um currículo carimbado com New York Film Academy ou um mestrado Chevening.
Nesta semana, eu começo um curso de roteiro. E, segundo a minha terapia, eu devo também saber ritualizar as pequenas mudanças. Não estou atravessando o mundo de navio e nem conhecerei o gosto do shoyu de Tóquio, mas eu espero que as aulas me abram para novas ideias, um ramo novo de atuação, um estilo diferente de trabalhar com a escrita que ainda segue sendo o meu maior objetivo, a minha tempestade desejada, o meu terremoto querido.
Lucas Galati
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