E o mundo (não) se acabou!
Onde você estava quando soube do fim do mundo? Eu tinha acabado de comprar um pote de doce de abóbora e sentava, ao lado de duas amigas, na escadaria da Igreja Nossa Senhora da Aparecida do Ipiranga, zona sul de São Paulo. Uma quermesse abarrotada, mas sempre animada. Naquele momento explosivo, um exemplar de Elvis vivíssimo, com um cinto de cowboy, cantava no tom e animava o público com hits saudosos do astro.
Foi entre uma colherada do doce e um gole poderoso num guaraná bem gelado, que eu abri o Instagram e pude me violentar com os plantões dos canais de notícias, avisando que os Estados Unidos tinham entrado no conflito entre Israel e Irã. Suportei dois vídeos alarmistas para avisar as meninas da minha surpresa já esperada. Ali, exatamente ali, comecei a rascunhar mentalmente um texto para essa revista eletrônica.
Preparem-se! Segurem-se nas cadeiras para a enxurrada de estrume, versões e mentiras que vão atormentar a sua timeline, tirar o seu sossego e, quem sabe, pedir que você finalmente busque fontes mais confiáveis. Qualquer conflito pode escalar. Desde as ofensas trocadas entre a sua mãe e a sua tia no último churrasco da família até a inacreditável destruição de 90% do território de Gaza. Como espectadores ansiosos, desejamos o fim, o momento do aperto das mãos e que ambos os lados se esqueçam por mais algumas décadas. E isso deve acontecer, antes que um papa das Relações Internacionais defina o começo de uma Terceira Guerra Mundial. Um começo que, talvez, nunca comece por já estar em curso, explodindo vez o outra, como as erupções do Etna.
O que é necessário ter na ponta da língua é a língua. Antes de mísseis X,Y,Z ou bombas dinâmicas está em andamento, como sempre, uma guerra por uma narrativa. Não quero parecer indiferente às centenas de milhares de mortes em Gaza, mas o que acendeu o exército israelense foi a chance tão esperada de exterminar um lado da história. Um lado bastante incômodo para Israel. E se a oportunidade faz o ladrão, aqui ela fez o assassino. Seja por uma inesperada onda de mísseis vindos do território palestino, seja por um número considerável de reféns israelenses ou seja apenas para Benjamin Netanyahu conseguir fugir da prisão, inventa-se o factível discurso de ameaça à soberania nacional. E, com um empurrão do “papi Sam” e um número confiável de assentos, o massacre pelo massacre ganha um objetivo, uma rota, um inimigo a ser combatido.
E o que nunca foi guerra, retorceu o estômago do mundo. Famílias destroçadas, homens e mulheres mutilados, crianças famélicas, crianças em trauma, um território desertificado. Nada mais ficou de pé, nem mesmo o discurso. Só que agora já era tarde demais para as palavras. Elas ecoavam pelo vazio dos escombros e pelo vazio das línguas inflamadas dos líderes. As potências mundiais que assistiram inativas e de camarote ao extermínio.
E se a sua professora de Reiki ensinou que somos apenas um grão no meio do universo, a geopolítica anula a imensidão planetária e aterra a Terra. Um jogo cravado no chão, repleto e constante em conflitos, nas conquistas e nos mais absurdos e escusos interesses. Um real explosivo. Aos mandos do pai e do capital, o poder como ave-maria e mais novas e mais criativas desculpas. Se não era apenas o Hamas terrorista, era também o aumento do poder nuclear do Irã. Todos juntos repetindo de mãos dadas: uma-ameaça-à-soberania-nacional. O primeiro míssil israelense disparado contra o território iraniano já pressionava os Estados Unidos para entrarem no combate.
E o novo que sempre tão parecido. Militares israelenses ou o serviço secreto ou o exército constatou um progresso evidente nos esforços do regime iraniano para construir componentes de uma bomba atômica. Nenhuma prova exibida. Nada a ser mostrado. Apenas saliva e, assim como a Terra, girar, girar e girar, sem querer encontrar o próprio rabo. Agora ouça, essa:
Israel é amplamente considerado um dos nove países do mundo que têm armas nucleares atualmente — ao lado de Estados Unidos, Rússia, China, França, Reino Unido, Paquistão, Índia e Coreia do Norte.
"Estima-se que Israel possua cerca de 90 armas nucleares", diz a Campanha Internacional para a Abolição de Armas Nucleares (ICAN, na sigla em inglês), coalizão global com sede na Suíça, que foi agraciada com o Prêmio Nobel da Paz em 2017.
(…)Além disso, estima-se que Israel tenha estoque de material físsil (que pode passar por fissão nuclear) suficiente para cerca de 200 armas. No entanto, o sigilo torna difícil traçar um retrato mais preciso do programa nuclear israelense.
"Como Israel se recusa a confirmar ou negar a existência dessas armas, pouco se sabe sobre seu arsenal, mas especialistas acreditam que pode lançar armas nucleares por meio de mísseis, submarinos e aeronaves", diz a ICAN.
Ahh vá! Mas quem diria? NetanyaHINDO da tua cara. O Irã nega enriquecer urânio para fins bélicos, mas quem sofre com as sanções impostas por causa de um suposto avanço do programa nuclear é o Irã. Esse é o verdadeiro inimigo. Esse é o verdadeiro inimigo?
De míssil em míssil, mais um no meio da sua cabeça. Os Estados Unidos vivem das guerras, um país visceralmente belicista, envolvido em praticamente todos os maiores conflitos atuais e com um histórico precioso e irretocável no patrocínio de ditaduras e outros tantos extermínios. Em 2023, por exemplo, teve o maior orçamento militar do mundo com gastos que ultrapassam 900 milhões de dólares e são cerca de 800 bases militares espalhadas pelo globo.
A decisão americana em investir na pressão feita por Israel e bombardear instalações de Teerã, talvez, não seja o fim do mundo, mas o começo de um novo. Ou, quem sabe, a batalha pela manutenção do antigo. Ao Irã, restou responder atingindo a economia mundial. O parlamento aprovou o fechamento do Estreito de Ormuz. O bloqueio interrompe o fluxo de cerca de 30% de todo o petróleo comercializado globalmente — uma bomba e tanto para a segunda maior economia mundial, que nunca esteve de olhos fechados, só ainda não tinha se movido.
Lucas Galati
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