✨Depois de Olívio...
Eu fui um jovem muito triste, mas prometo que o texto vai subir a montanha. Afinal, acho que este é o mood esperado de toda e qualquer adolescência. Será que não? O seu corpo se torna uma constituição intrusa, uma máquina desconhecida que você observa à revelia e se esforça para dar conta dos arranjos disformes e os crescimentos genéricos, hiperbólicos e inesperados. O humor se altera tsunamicamente, mas, no meu caso, considero ter havido maior predileção por ápices vermelhos de raiva — uma relação direta com a fome sempre presente. E então os hormônios decidem maturar uma espécie de paixão torta e extremamente violenta. Os alvos quase sempre são melhores amigos ou astros da popularidade que puxariam o meu famoso anonimato do fundo da memória por algum boato infame ou piada absurda. Logo, os pais são inimigos de oito cabeças a serem combatidos e a caçula, um corpo que serve tanto para executar golpes aprendidos em jogos virtuais de luta como para expelir ofensas gratuitas e outros tipos de impaciências.
É horrível. Não tenho qualquer apego, nem sinto saudades. Mês passado, eu recebi, pelas redes sociais, um convite para um reencontro com os meus “colegas” desta época maldita. Amassei a possibilidade e liberei espaço no cerebelo antes de terminar a leitura. Não tem como. Eu realmente tive uma adolescência boa para ser esquecida e os corredores escolares são ambiências que estruturam os meus piores pesadelos até hoje. Depois disso, só as sonâmbulas azias com provas de Matemática e de Física. Exatas maluquices!
Até os primeiros anos de faculdade, uma tristeza incômoda ainda dominava as minhas perspectivas, um derrotismo afiado que, bem depois, pude entender se tratar de uma maneira esquisita de proteção. Em outras palavras, a tristeza era mais parceira do que inimiga. Era como estar sempre preparado para o pior. O tempo inteiro. Isso também explica a razão de eu hoje ter mais facilidade e até preferir me aventurar por um pântano pegajoso do que por planícies abarrotadas de girassóis. Precisei desistir de combater o que significava ser triste e aceitar que essa predisposição daria um tom único, um tempero especial para a minha vida, para a minha poesia, na literatura…
Eu só não contava com as ajudas que apareceram no meio do caminho. A principal delas foi a PUC-São Paulo. Sei que já falei sobre isso por aqui, mas a importância de estar dentro de uma universidade tão múltipla, tão coletiva, tão visceral trouxe, pela primeira vez, a sensação de fazer parte de alguma coisa. Uma virada de chave para a minha mente intranquila. Uma vereda. Um oásis. A próxima esquina. Sem perceber, eu tinha amigos. De todos os tipos. De todas as formas. De todos os jeitos. De todos os cursos. De todas as cores. Tenho certeza que muitos não tiveram a chance de criar um vínculo desses. Tenho certeza que há um plano em curso para transformar as universidades e faculdades em locais de passagem, áridos, vazios. O pensamento realmente incomoda. Um ambiente estudantil livre será motivo de perseguição hoje, amanhã, no próximo século. Por isso, vale tanto batalhar por ele.
E nessa contagem lustrosa de bons agouros, as mais absurdas formas de arte assopraram horizontes. Desde as meninas das Artes do Corpo penduradas no corrimão com plástico filme até os festivais de curta, o cinema asiático, europeu, o cinema novo, as peças de teatro no Tuca, o Geosamba, as chances de bolsa, as manifestações, as assembleias, a história da Arte que se arrastava até as mesas do bar. Ou vice-versa. E os livros. Sugeridos. Obrigatórios. O jornalismo literário. A literatura. Moderna. Clássica. A biblioteca, onde tudo se fazia possível. As revistas antigas. Pasquim. Folhetins. A esquerda. O impresso. Mais sonhos. Parágrafos. Preferências. Profundezas. Partituras.
Foi de onde você brotou. Como a sugestão discreta de uma amiga querida. Fabiana. Disse esbaforida no meio do pátio azul. Acho a tua cara. Uma escrita corrosiva, mal humorada e é viado, amigo. Um gato; um gato escritor; um gato escritor e viado. Na mesma semana, eu comprei Olívio.
Até hoje, insisto forte nos romances. Apesar da minha inegável ligação com a poesia, leio bem mais romances. Odeio muitos, gosto de alguns e quando amo, viro adicto assumido. Pesquiso o autor, encontro vídeos inusitados e compro todos os livros. Foi assim com Santiago Nazarian. Depois de Olívio, um mundo literário se abriu para mim. Não tinha ideia de que aquele tipo de escrita podia existir. Clara, objetiva, crua, grotesca, espumosa de raiva, venenosa e com boas doses de sangue.
Segui com Feriado de Mim Mesmo, A Morte Sem Nome, Mastigando Humanos, O prédio, o tédio e o menino cego, Pornofantasma e não parei mais. Para ajudar na minha psicopatia, Santiago tinha um blog. Um blog chamado Jardim Bizarro que existe até hoje. Como dois mais dois, a loucura já tinha se instalado e sem qualquer arrependimento. Achava Santiago lindo, descolado, um gato e cheio de marra. Com os livros já amassados, perdia o ponto imaginando como seria esse metiê? Um encontro de escritores. Imagina? O que será que discutem? O que comem? Onde comprar roupas? Santiago ainda gostava de cozinhar. Nada de culinária habitual. Sempre inovadora. Temperos fortes, asiáticos. Aos meus amigos, virou o Santi. Como uma forma de tirar um sarro. Um mero detalhe: eu nunca tinha o visto.
Até que numa viagem de ônibus em direção à praia de Ferrugem, em Santa Catarina, o inusitado decidiu tomar forma vestido com uma regata preta e papetes de mesma cor. Na época, um final de ano, não poderia supor que a viagem se tornaria a pior da minha vida. A ida já estava sonolenta ao lado dos amigos de longa data. Na primeira parada, desço do ônibus com o cabelo desarrumado e remelas nos olhos. Um primeiro bocejo esticava a laringe e todos os meus músculos nas pontas dos pés até que sou interrompido pela figura eroticamente idealizada do meu escritor caminhando para uma mijada. Ele me cumprimenta e aqui explico o porquê.
Numa balada distante, no reino encantado da Lôca(pesquise!), um reduto que merecia receber a devida atenção antropológica, encontro Santiago cercado de amigos. Com a ajuda prestativa de muitas doses de vodca com energético, consegui uma interação assustada. Disse que era fã da literatura dele, que era encantado por tudo o que escrevia e que ele tinha me ajudado a gostar mais de ser gay. Não menti. Omiti apenas o quanto o beijaria naquela tietagem. Nada aconteceu e fui embora para casa trocando confidências com o destino…
De volta para a parada do ônibus rumo à Ferrugem, a conversa com Santi seguiu educada, mas sem grandes ápices ou novas surpresas. Eu estava, literalmente, dormindo segundos antes do encontro. Não pediria um beijo, nem que ele me implorasse, de joelhos, naquele momento. Algo que não aconteceria. Era uma interação protocolar que caminhou comigo até o fim da viagem. Levei como uma sorte de final de ano. Meus amigos já imploravam para que eu parasse de contar o ocorrido para desconhecidos.
Pouco tempo depois, Santiago começou a namorar e eu também.
Terminamos começando uma relação virtual que dura até hoje. A minha obsessão passou quando aceitei viver realidades e não apenas saborosas fantasias. Um viado orgulhoso e assumido. A admiração segue a mesma, o respeito para com a sua literatura também. Ainda não fazemos parte do mesmo metiê, mas a vida é cheia de surpresas e cheia de paradas.
Obrigado, Santi.
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