Acompanhar o começo e o fim de um pontificado é como notar as mudanças numa rua que você tem o costume de passar desde a infância; se espantar, em segredo, com o envelhecimento de uma atriz que deixou as telinhas e foi flagrada escondida numa vida solitária no interior de Minas Gerais ou o fim de um produto que foi disputado a tapa e terminou empoeirado nas prateleiras das lojas até ser constatada a extinção.
A despedida de Papa Francisco entalou bem no meio da já indigesta premissa do envelhecimento, que mergulhamos algumas vezes nesta revista eletrônica. Não sou católico, — apesar de ter crescido numa escola bastante religiosa — caminho há alguns anos na direção oposta, tentando assumir de vez o meu ateísmo. Ao longo desta trajetória, já cultivei uma revolta impávida da Igreja Católica que, sejamos bem claros, tem bem mais do que as mãos sujas de sangue, PHDs com estrelinha brilhante em missões de extermínio e tesouros roubados de civilizações antigas. No entanto, seria estupidez minha não notar o papel fundamental que um Papa segue tendo no cotidiano deste planeta azul. Ainda mais, o Papa Francisco.
Jorge Mario Bergoglio mostrou a intenção de reger a máquina religiosa de maneira mais próxima da comunidade e assumir em praça pública inúmeros calos doídos e corredores nefastos de uma Igreja que precisava se transformar. Que precisava se desculpar. Foi, concomitantemente, a definição de um papel político inquestionável que fez deste pontificado histórico e, surpreendentemente, humano.
Ao mesmo tempo, a morte de Francisco serviu, por aqui, para relembrar as idas e vindas da minha profissão. Retomei, com detalhes, a cobertura da posse de Bergoglio em 2013 e como, na época, eu, apesar de sofrer com a pressão alucinante, via uma luz no fim do túnel, a possibilidade de crescer dentro do jornalismo, ter o devido e intangível reconhecimento. Agora, com o fim do papado do pontífice, 12 anos depois, encaro o meu total desencanto com a profissão. Hoje, eu não faço nem mais parte da editoria de Internacional, onde, por tantos anos, busquei especializações e novas chances.
Não farei deste texto, uma marcha fúnebre. Afinal, eu prefiro o movimento constante e o coração batendo aquecido e fiz as pazes com o jornalismo novamente, só que não mais aquele praticado dentro de redações televisivas. Ali, eu sou um técnico. Um técnico da informação que escreve textos fugazes para repórteres e apresentadores e coloca um produto para uma empresa no ar. Aqui, nestas linhas, é onde eu volto a flertar com o jornalismo múltiplo e inovador que aprendi nos tempos de universidade, desenvolvo e trabalho a minha opinião, quase como uma coluna, um editorial novo a cada semana, um lugar onde eu finalmente posso fomentar a minha criatividade e discorrer livre sobre o que pintar na cuca.
E foi só eu virar a página para perceber que o Papa Francisco morreu no aniversário da escritora, Hilda Hilst. O que eu quero dizer com isso? Deixo você interpretar.
PS: cruze os dedos ou adote qualquer outra superstição para que a fumaça do conclave não ofusque o caminho e nem vire para a direita.
✨LEMBREI DE MIM
E eu vi pequenos macacos pulando nos galhos e insetos de todas as cores. Eu joguei cacheta e falei do medo do futuro e das dívidas exponenciais. Eu abracei amigos de longa data e escolhi a peça certa de um quebra-cabeça paralisado. Eu tomei muita cerveja e não dormi, por duas noites seguidas, com medo de roncar alto demais. Eu me surpreendi com cabras invasivas e vestidas com coleiras binárias. Eu procurei galhos para um fogueira que não deu certo e abri mais um vinho que estava no armário e que não era meu. Eu li Irene Solà e tive dúvidas se captei as imagens soltas em parágrafos inteiros. Eu colhi folhas de louro e quase desmaiei ao levantar da cadeira rápido demais. Eu descobri que nunca estive louco e que era amor no começo de tudo. Eu mergulhei na piscina e ouvi a voz animada, debaixo da água, de outros que não moram comigo. Eu acompanhei o entardecer sozinho e, com a música alta, abri mais uma cerveja estupidamente gelada. Eu ajudei uma amiga que saboreava as favas de um vespeiro particular e tomei um banho demorado. Eu encontrei alguns alfinetes no chão de taco, mas os pulei, sem grandes esforços e escolhi, na volta para a casa, dizer uma verdade cansada. Eu descobri um jogo novo e assoprei um dente-de-leão. Eu descansei nos ponteiros morosos e também estranhei a rapidez do dia. Eu ouvi João Gomes, Mestrinho e Jota.pê e me perdi no balanço de uma canção chamada: Lembrei de nós!
Até a próxima, andantes!
Lucas Galati
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