Corrida e corredores
Não é fácil. Nunca foi. Afinal, constatação: com todas as letras e nenhum pulo nem sempre se forma de uma vez só, de bate e pronto. Tem as tantas que o ouvido vai para um lado e a cabeça para outro. Normalmente, o estribo ou a cóclea já se assustou com o absurdo proferido e sobra para a cabeça maturar, relativizar, se esforçar para “desouvir”. Mas não tem jeito, afinal martela e a vergonha, a incredulidade, o espanto assume o centro do palco e, quando menos se espera, a tesoura cortou o vínculo e se este precisar ser mantido por exigências hierárquicas, por exemplo; o silêncio já conhecido passa a ser mandatório com altas chances de crises de ansiedade e refluxos violentos.
Nos tempos humanos de corredores universitários, o jornalismo se construía como um castelo protegido do mercado. Longe de uma lógica empresarial, terminei o curso com um entendimento totalmente deturpado e distante da realidade do ofício. O ano era 2010 e o meu despreparo tinha gosto de nuvem e se fazia amargamente evidente. A universidade não tinha me ensinado, por exemplo, a ter respostas imediatas e concisas para perguntas urgentes, a estar armado para qualquer ataque inesperado de um editor de cabelos brancos, sobre a imposição de uma hierarquia sólida, imutável que nunca teve intenção de satisfazer a formação de um diálogo profícuo e quente, vislumbrando exclusivamente um mesmo foco: a reportagem.
E nas salas de aula, ao longo de 4 anos, eu pude admirar verdadeiros jornalistas em ação, a descrição apaixonada de coberturas históricas, a formação de um pensamento político concreto e fortificado por uma biblioteca invejável, pude ler e reler reportagens que guardo protegidas até hoje. Textos, apurações e pesquisas que puderam alterar os rumos de um país, mergulhados numa criatividade voraz e inovadora e que me ensinaram a sempre correr atrás da verdade e jamais olhar para a sociedade com qualquer dose de preconceito. Dois ideais que defendo a qualquer custo e que já me renderam discussões fervorosas que, definitivamente, transformaram o meu destino na profissão.
No jornalismo empresarial, com carteira assinada, nunca encontrei, em 14 anos, algum chefe ou grande nome no meio que me ensinou um décimo do que aprendi nos tempos universitários. Não nego que a minha técnica melhorou durante este tempo, a agilidade em apurar e poder me defender das ofensivas e cobranças diárias, em conhecer os meandros dos softwares usados nas grandes redações, mas assumo que não encontro hoje na minha agenda o nome de algum profissional que realmente inove, que faça a diferença, que consolide, por exemplo, uma sequência de grandes “furos”, que não venha de uma família milionária ou acionista, que considere, quem sabe, a criatividade na construção de uma reportagem e que não produza mais do mesmo. Certamente, falo aqui do jornalismo televisivo, que é de onde vem toda a minha formação. E, infelizmente, sobre aquele onírico quesito do preconceito, digo com pesar que não foi na rua, mas dentro de uma redação que tive os maiores exemplos. Aprendi a responder ataques homofóbicos, me espantei com os tantos casos de misoginia, racismo, xenofobia. Foram aulas e mais aulas. Exemplos intragáveis, contrários a tudo que eu ainda idealizo dessa profissão tão complexa e necessária.
Posso ser visto como saudosista, mas do impresso ainda vem centelhas dos corredores apaixonantes da PUC-SP. Revistas como a Piauí ainda me enchem de esperança. Assino sem poder, mas faço para renovar a minha crença. Talvez, ela realmente seja a última injeção de criatividade no corpo combalido do jornalismo brasileiro. Um exemplo que perdura entre a vida e a morte, mas que segue sendo, a cada edição, transformadora e essencial em tempos tão sintéticos e factuais. E não posso fechar os olhos e ser negligente de que as atualizações minuto a minuto em determinadas coberturas são precisas, como durante a pandemia da COVID-19, onde o jornalismo se fez um pilar sobrevivente e confiável nas turbulências e excrescências de um governo fascista e assassino. No entanto, há também na profissão um enorme espaço a ser preenchido. O espaço da contextualização, da formulação ou retorno de um jornalismo criativo, inovador, visceral.
Ideias não me faltam. São tantas. Porém, não as vejo mais dentro das grandes e poucas redações que dominam o noticiário brasileiro. Talvez, elas devam ser colocadas em prática gradualmente, pelas tangentes, em espaços escusos, para um público que percebe e que sente falta. Talvez, elas não sejam imediatas, mas considerem a todos. Não tenho uma resposta ainda, mas acho que é quando o ouvido e a cabeça vão para o mesmo lugar.
Lucas Galati
Charge: Laerte
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