✨Os dois mares de Copacabana
Ela veio. Ela está entre nós. E aproveita os seus dias, antes do apoteótico show, de frente para a praia de Copacabana. Com a sorte de ter dois mares para si. Privilégios de divindade pop. Um deles recebe pinceladas delicadas de azul e um horizonte exibido que engole o dia num piscar úmido e tropical. O outro mar, este bem mais colorido e agitado, grita o seu nome, fervorosamente, mesmo antes da aterrissagem abençoada pelos braços redentores do Cristo. E é vale tudo na tevê e também na vida real. Fralda, barraca, leques, rodízio, lágrimas… um cardápio extenso para manter a potência dos hinos e da repetição que tomou conta de todo o calçadão, das areias, do cérebro dos deuses marítimos e cariocas. GAGA, GAGA, GAGA…
E eu gosto de brindar a nossa predisposição para a festa. Brasileiro, definitivamente, sabe ritualizar. E mesmo que a idolatria por um outro ser humano, que defeca da mesma forma que você, não faça o menor sentido, também faz todo. Afinal, há uma dose cavalar de espanto ao ouvir milhares de pessoas entoarem uma música inventada em meses difíceis. Uma música que vai abraçar pessoas da América do Sul à Oceania. Uma música que será cantada por outras gerações. E no caso de Gaga, não foi apenas uma canção, foi um dicionário todo. Uma linguagem saborosa, quando a indústria empacotava e vendia agudos de forma parecida.
Lady Gaga era a música, mas era também o discurso, a moda, a crítica, a postura anárquica. A inteligência em reparar, do alto das paradas do mainstream e de apresentações lotadas ao redor do mundo, no público que a ovacionava. Quem eram aqueles jovens que tinham entendido a mensagem e que, agora, fariam de tudo por você? Quem eram aqueles que foram tocados e transformados por letras que criticavam a indústria musical, a fama, que alteravam o entendimento do que deveria ser belo? Hits que questionavam e até expunham a Igreja Católica, que não pediam licença e impunham a aceitação de todas as diferenças e enchiam de pertencimento o peito esquálido de quem nunca se sentiu parte.
Uma mulher insuportavelmente criativa que se viu impelida pela carniceira especulação midiática a não poder ser mulher. Da noite para o dia, Gaga era hermafrodita, andrógina demais, era um homem. As manchetes eram angustiantes e violentas. Como que um corpo feminino poderia ter a audácia de emendar tantos sucessos? De se vestir inteira de carne? Precisa chamar tamanha atenção? Como que ela, embebida desse desprezível universo pop, sabe cantar? Ela é gay? Bi? Pan? Gaga não é de Deus, não está entre nós, é obra do capiroto, veio de outro planeta, de outra dimensão.
E mesmo se a gente seguisse a lógica de que nada se cria, tudo se transforma. Há sempre a possibilidade de dar um gás na potência. Levar a inspiração, o repertório adquirido para outros formatos. Outros públicos, furar a bolha de uma vez por todas. Inovar para cutucar, constranger, alterar. Até aquele mais avesso, assumia o efeito meteórico e reconhecia o poder espraiado da junção de duas sílabas idênticas.
Dito isso, só me resta dizer: MERDA! É assim que se faz no teatro. Não estarei de corpo presente por motivos financeiros, mas certo de que será uma noite MONSTRUOSA. Eu devo chamar uns amigos em casa, quem sabe? Abrir um vinho e assistir ao show da tevê, relembrando os tempos de baladas frenéticas, quando as primeiras notas metalizadas de PAPARAZZI eram motivos para virar mais uma tequila, subir em algum “queijo” no meio da multidão alucinada ou arriscar mais um teco de cocaína.
Lucas Galati
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que texto legal, deu até vontade de ver o show, não acompanho Gaga, as vezes acho que não estou sendo uma gay fiel.
taí um show cercado de expectativas...