PONTO AFINAL
Esse lance de colocar ponto final em livro deveria ser uma atividade remunerada. Ainda mais quando a obra caminha pelos labirintos da poesia. Nunca imaginei que os meus primeiros passos literários seriam por esse gênero. Não mesmo. Assumo que acreditei, por algum tempo e inocentemente, existir uma maior facilidade na construção de um texto poético, mas logo depois das milhares de refacções do meu estrear e as quatro mil e uma dúvidas que assombraram e ainda assombram a minha cabeça dei como insano o ato, por si só, da publicação de qualquer obra. E é realmente. Para chegar a esta indiscutível conclusão também recebi a ajuda do venerado escritor chileno Alejandro Zambra no livro Poeta Chileno, que já falamos por aqui. Um guia prático de como destruir a pretensa ideia de que se aventurar pela poesia pode ser um caminho mais fácil. Definitivamente, não é. Além disso, como qualquer outro beabá, um idealismo bruxuleante e púrpura de um marinheiro de primeira viagem também será avistado no horizonte e ainda bem. Certamente, será por ele que você vai defender as linhas da sua obra e se xavecar no espelho, depois de algumas cervejas, ao se ver como o novo Saramago. Depois só que você entende que é também dar murros em ponta de faca, que há, assim como em qualquer outra profissão, uma indústria, contatos, agentes literários, péssimas editoras, livros ruins e que, talvez, realmente você foi de uma inocência cabal. Ah! Sem esquecer que será sempre o autor que menos vai ganhar nessa negociação. Se não for um prejuízo, você já tem motivos de sobra para estourar uma champanhe.
No entanto, a história se repete e você não entende muito bem a razão. A primeira experiência não pode ser descrita como fantástica, porém dois anos se passaram e uma injustificada reunião de textos culminou no fatídico ponto final do começo. A principal diferença é que, agora, as idas e vindas do ofício se deram de maneira despretensiosa e, sem um objetivo claro, ficou ainda mais gostoso. Não tinha ideia de publicar novamente. Nenhuma urgência. Porém, está mais do que comprovado de que escrevo para manter a minha insanidade ajustada. Escrevo pela minha própria sobrevivência. Para garantir as minhas horas de solidão e de devaneio. Para conseguir deitar a cabeça no travesseiro em paz. Para expurgar, repensar, refletir. Aos quase 40 anos, não poderia ser de outra forma. Não mais. E se dessa prática existir a chance de azeitar um livro que ele seja exposto ao mundo.
E sei das variadas instabilidades do processo. Sucessos de estreia, prêmios e relevância, logo de cara, nunca estiveram no meu imaginário, no meu sonho mais insano. Por outro lado, achei e ainda acho injusto transformar um crivo numa faca afiada. Não quero mais folhas em branco, quero papéis amassados pela sala, mas com o desejo dito de ser lido e criticado e visto. De melhorar enquanto ainda tenho tempo. De me dedicar ainda mais. De explorar todas as possibilidades. De aperfeiçoar o que precisa ser aperfeiçoado.
A escrita, que sempre caminhou ao meu lado, segue não me desapontando. Parceira coesa. Fiel. E que, mesmo nos piores dias, quando a cabeça nubla e o parágrafo perde totalmente o sentido, ela se abre ao recomeço. Não te impõe o ponto final. Não te obriga um entendimento. Todo livro é um recorte. Todo livro deve e pode continuar. Esse maremoto de possibilidades me empolga a plantar vírgulas por aí. E mesmo que eu tenha, inesperadamente, concluído um novo processo, a última poesia sempre me catapulta para frente.
✨UMA CANETA DE OURO NO MEIO DA NEVE
A Polônia é tipo o meu Chile. Confuso, né? Mas esses países têm uma concentração de escritores que me fascinam. Por favor! Já deixo claro que não sou nenhum especialista, não tenho mestrado no assunto, falo de um gosto pessoal e nada, nada além disso. Diferentemente do Chile, que reúne inúmeras semelhanças com o Brasil, a Polônia não tem qualquer proximidade e isso também se vê na literatura. A construção da narrativa, a descrição dos ambientes, os tipos de personagens são extremamente saborosos e inusitados.
A minha paixonite começou com a poetisa Wisława Szymborska. Não me recordo como cheguei até esse nome difícil de ser lido. Talvez, a sugestão veio de algum amigo. Acho que foi logo depois de terminar a obra de Matilde Campilho. Não me lembro mesmo. Agora, foi um susto. Um impacto imediato que só senti novamente com Eucanaã Ferraz. É que eu gosto de poesias que eu consigo me reconhecer. Que eu encontro a linha de pensamento do poeta e o texto não me joga para fora dele. Há poetas que, infelizmente, não consigo desbravar. E são vários. É tão, mais tão subjetivo que não tiro nada dali. É o caso, por exemplo, de Felipe Franco Munhoz que eu não conhecia e pude ler parte do trabalho na revista Piauí de fevereiro. Desisti antes do fim e com a certeza carimbada da minha burrice interpretativa.
Com Wisława, não foi assim. Você navega por um oceano bem mais amigável. Consegue entender cada palavra usada, cada decisão textual. Não assusta e nem te expulsa do texto. Fiquei alucinado ao ponto de concluir praticamente toda a obra da polonesa em menos de um mês. E então surgiu outro nome no horizonte…


Assim como Wisława, Olga Tokarczuk também levou o Nobel de Literatura. Ela é romancista e as traduções foram publicadas em livros belíssimos feitos pela editora Todavia. O primeiro que eu me aventurei foi Correntes, que é extremamente e estranhamente difícil. O livro não tem qualquer linearidade, mas impressiona, já nas primeiras páginas, pela qualidade da escrita de Olga. É genial no sentido de que você não define se é uma grande história, vários contos, uma reunião de comentários, se tudo é ficcional ou se há uma dosagem de autobiografia. É uma mistura saborosa que deve ser experimentada. Dica: não comece o livro em busca de um sentido, uma rota. Mergulhe nele. Vire-o de ponta-cabeça!
E, nessa semana, eu terminei Sobre os Ossos dos Mortos. Um romance violentamente divertido. Esse, sim, tem uma cronologia assertiva. Um enredo estruturado e com um final que eu, particularmente, achei surpreendente. Assumo ter levado bastante tempo na leitura. São muitas digressões, descrições excessivas, mas o final realmente é muito bom. Super indico. E as edições da Todavia são tão lindas que ajudam na navegação.
Todavia, oi! Tudo bem? Como você está? Vem sempre por aqui?
✨CARCAÇA PALAVRA
Não vou me estender. Foi uma reflexão da semana retrasada, acho. Veio com a proximidade do suposto fim do livro. Não. Ainda não direi o nome. Quero revelar quando eu conseguir uma editora. Uma editora bacana.
Todavia, oi! Tudo bem? Parei!
Agora, papo reto. Não sei onde eu estava. O metrô é uma boa possibilidade. Sei que reparava na nossa língua. Nos falantes mesmo, como mexemos a nossa boca, como temos palavras gostosas, como libélula e palavra chatas, como âncora. É um universo tão gustativo, tão refinado. E, naturalmente, fiz uma rápida comparação mental com o inglês. Não dá nem para começar. A dimensão, a profundidade, as possibilidades adjetivas do português. Um soco no estômago do Tio Sam. Um nocaute.
E não demorou para eu pular para centenas de milhares de anos à frente. Certamente, o planeta não vai mais existir, terá implodido ou explodido, mas será que, mesmo antes disso, a língua portuguesa será enterrada? Será somente uma vaga lembrança? Um registro apagado da história? Esses dias estava ouvindo uma historiadora falar sobre o eurocentrismo doente que habita no nosso ensino que coloca a Grécia como a fundadora da Medicina, da Matemática, da Física, de basicamente tudo o que nos circunda até hoje. Como se não existisse nada antes dos gregos surgirem. E que isso é uma forma claramente excludente de entender e estudar a história. Será assim com o Português? Como será contada a nossa brasilidade em 3.456? Há uma forma de uma língua resistir? Ou a palavra é apenas uma questão de hegemonia?
Um beijo, andantes!
Lucas Galati
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A principal preocupação será sempre com uma construção textual criativa e inesperada. Costumo enviar uma nova edição da newsletter de 5 em 5 dias. Não deixe de arriscar os seus primeiros passos!
😜Só para lembrar que você pode adquirir o meu livro AQUI!
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o português que há muito não é tão “português” assim, né? temos influências maravilhosas das culturas indígenas e africanas na língua. os idiomas são vivos: sobrevivem e se transformam enquanto houver falantes. essa é a beleza da língua.
Adoro a Matilde Campilho! ☺️