✨MUJICA, ME DESCULPE!
🔎Você fez questão de dobrar o mapa de modo que nossas cidades distantes uma da outra exatos 1720 km fizessem subitamente fronteira (Ana Martins Marques)
Talvez, não exista maior liberdade do que a morte. É como eu sempre imaginei o fim para um rebelde, um defensor, um eterno insatisfeito. Os olhos tônicos e conscientes ao último suspiro, mas sem suavizar, em hipótese alguma, os tantos motivos para navegar sóbrio por determinada rota, abraçar uma causa, uma luta justa ao longo de uma vida. E por essas raras explosões de liberdade possível saber se manter no jogo, alinhavar uma espécie de organograma eficiente, a receita de um adubo exclusivo para também florir outros novos estímulos que perpetuem por mais tempo a chance de se ter asas e penugens graciosas.
Aves serão eternamente símbolos de uma sabedoria que me intriga, do que consigo estabelecer como mais divino, mais instintivo e mais próximo do céu. Algumas pessoas são aves para mim. É o caso de José Mujica.
A admiração surgiu ainda pelos corredores da universidade. Estudei Jornalismo na PUC-São Paulo e mais outras três graduações tamanha a proximidade visceral com alunos dos mais diferentes cursos da instituição. Os meus tempos universitários foram de uma exploração particular assumida em mil e uma frentes e entre as tantas: a formação de um pensamento político estabelecido também por rodas de samba, discussões calorosas nos botecos e festas da universidade, além das longas reuniões de centro acadêmico. Aos poucos, definia até onde eu confundiria os meus passos dentro do complexo labirinto da esquerda. Hoje, dou bitocas no Marxismo, mas desisti da militância ativa, quando vesti de vez um incômodo com o excesso de saliva e uma certa apatia de prática. Fora que militar é muita dedicação para uma remuneração nula ou inexistente. E sem ter um estofo familiar e as contas magicamente pagas no fim do mês, tive que fazer uma escolha.
Por outro lado, o jornalismo universitário, que eu nunca mais vivenciei em 15 anos de profissão, consolidou para sempre qual seria a minha ótica ao me debruçar sobre as centenas de conflitos ao redor do mundo e as batalhas que, mais tarde, eu enfrentaria pela defesa desses meus ideais. Mujica entra justamente aí.
Eu costumo me impressionar bem mais com aqueles que nadam contra a corrente. E não precisa necessariamente abalar toda a estrutura, pode ser por um armário todo colorido e feito por anos de coleção em brechós. Pode ser pela escolha de construir uma casinha de sapê no litoral baiano ou viver dentro de uma comunidade vegana em Tonga. Pode ser pelo formato de uma cursiva, a maneira repetitiva e morosa ao explicar sobre dores fundas, os benefícios contundentes de sessões de Yoga ou Reiki, como aprendeu a leitura de mapas astrais ou uma ingenuidade saborosa vinda da infância em cima de pés de manga e berrantes intrusivos. Certamente e por muitas vezes, o tombo é doído quando a suposta característica revolucionária não se passa de um teatro sujo e perverso. Há pouco tempo, pude provar o gosto desse espetáculo assassino. No entanto, Mujica não optou pela simplicidade por achar que ela poderia ser um maravilhoso capital político, também não teve escolha ao ser torturado por 14 anos e poder viver para contar a sua história e sobre a liberdade lá do começo, dizia que recuperá-la foi a lembrança mais linda de sua existência.
Quero dizer que essas pessoas com as asas escondidas quando partem deixam um vácuo, um abismo, um episódio, o entre parênteses que poderia ser admirado na forma de uma centelha de tonalidade diferente por um telescópio ultramoderno, um telescópio posicionado somente para admirar o planeta Terra. Afinal, quem disse que não podemos ser tema de estudos numa galáxia tão, tão distante? Mujica foi embora, mas deixou um universo. Um crítico ferrenho ao consumismo, ao modelo assassino de trabalho vigente e defensor da construção do orgulho em poder se dizer latino. Era, mais ou menos assim: nem direita, nem esquerda, latino-americano.
E, então, daqui pra frente o leitor deve se enfrentar mais com as minhas dúvidas retumbantes do que com certezas absolutas. Além disso, quem disse que as certezas não são apenas mais um jeito de mentir?
Brincadeiras à parte, já fui ou ainda sou um defensor da construção dessa identidade latino-americana. Afinal, países reunidos fazem mais barulho do que separados na hora de enfrentar as hegemonias mundiais. Defendo até uma moeda única que deveria circular entre os países latinos, integrantes desse bloco, como forma também de enfrentar os mandos abusivos do dólar. Agora, infelizmente, a defesa de uma pátria ou de uma identidade reverbera no fortalecimento de uma nova fronteira. E muros são sempre espinhosos.
O amor exagerado à pátria não se traduz numa defesa cega de uma nação sobre outra? De um povo sobre outro? Não reforça ainda mais as camadas abstratas das fronteiras? Esse nacionalismo exagerado me desce sempre pelo lugar errado. Se ele servir apenas para fazer oposição ao regime estadunidense hegemônico, bato palmas e lanço foguetes. Agora, por mais que a comparação não se aplique em gênero, número e grau, eu penso em Gaza.
Engana-se quem acredita que a disputa é por religião. A disputa é por território, por narrativa, por quem vai ter o direito de sumir ou permanecer na história. E nessa toada, as grades, os muros, as fronteiras e o nacionalismo hasteado nunca fizeram tanto sentido, nunca estiveram tão em evidência. O que acontece em Gaza é um projeto de extermínio que o mundo assiste de braços cruzados. Um extermínio patrocinado, mais uma vez, pelo belicismo americano. Uma guerra que já tinha vencedores desde o início e, portanto, nenhuma justificativa. Sendo assim, destroçar famílias, traumatizar crianças, esquartejar corpos, explodir gerações inteiras fazem parte de um modelo sádico, perverso de aniquilação? Voltamos aos tempos medievais? Matamos por bel-prazer? Democratas ou republicanos nunca estiveram preocupados em responder questionamento algum e bastou erguer a chama e acender o discurso de um fascista israelense para Gaza explodir e nos deixar com imagens que falam bem mais do que as rasas manchetes dos tantos veículos de comunicação que amenizam as dores do povo palestino. Também por isso, peço desculpas a Mujica, mas questiono o valor da fronteira, do ideal de nação, do que deve ser entendido como pátria. O que aconteceria se todos baixassem as armas?
✨UM POEMA MEU…
CARTOGRAFIA Se você está triste, olhe para Gaza. Se você está feliz, olhe para Gaza. Se você desistir, olhe para Gaza. Se continuar, olhe para Gaza. Se você se arrepender, olhe para Gaza. Quando desconhecer, olhe para Gaza. Amanhã, olhe para Gaza. Uma última vez, olhe para Gaza. Espera! Onde estou? Onde sempre esteve. Em Gaza.
Um beijo, andantes!
Lucas Galati
❗OUTRAS EDIÇÕES:
✍️ A newsletter dos Andantes tem o modelo gratuito e o modelo pago. É importante destacar que no modelo pago, você vai contar com textos mais complexos e aprofundados sobre um determinado tema, dicas interessantes das mais diferentes ordens e para todos os estilos. Porém, o que é ainda o mais valioso para o presente autor é o texto em si. Seja a poesia, a crítica, a crônica, o conto…
A principal preocupação será sempre com uma construção textual criativa e inesperada. Costumo enviar uma nova edição da newsletter de 5 em 5 dias. Não deixe de arriscar os seus primeiros passos!
😜Só para lembrar que você pode adquirir o meu livro AQUI!
👀E se quiser me acompanhar nas redes virtuais:
mujica é, sem dúvida, um dos maiores personagens do nosso século!