Em volta, a volta
E eu que acompanhei o desenho alado de um besouro bêbado e uma linha cambaleante se voltou contra mim valente pelo hemisfério mais conhecido da cabeça se prendeu frouxa mas capaz de sustentar a fauna da questão que saiu dita talvez em adivinhar o nó primeiro talvez onde ela finalmente adormeceria a proteção rezada no pulo de costas pelo medo também trovoado ou o vento gélido trazido de uma missão inútil, de uma empreitada suicida e um escafandro e o mausoléu de Atenas e o cheiro adoçicado da viela grafitada no coração da metrópole argentina e não à toa o profundo que sempre raso, desconhecido se desnudo da palavra será só ali o avesso do mundo? mais uma âncora enferrujada? o descanso abissal e merecido de todos os homens? quilômetros de começos que linha alguma sustenta que o final é suposto para que o único segredo humano ainda se mantenha intacto preso por tentáculos de criaturas venenosas e que fingem um escuro hasteado só até que os últimos e bravos navegantes se amarrem asfixiados pela mesma linha que demarca a fronteira entre a questão e a resposta ...e em volta a volta Lucas Galati
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Percebo, enfim, as surpresas. São de gosto estranho ainda. Mas estão ali. Reconheço a densidade dos últimos tempos, mas nunca pensei em criar uma newsletter para falar apenas dos louros, aventuras saborosas e egóicas ou passeios gastronômicos valiosos. Cultivo uma necessidade infantil de expor uma verdade possessiva e sei que, por vezes, também ingênua.
Aos mais preparados, a travessia pode até ser enfadonha. No entanto, já posso dizer que muitos que permanecem por aqui reconhecem o meu esforço e se identificam com os tormentos e agruras expostos nessas páginas virtuais.
E foi numa dessas caminhadas inconstantes pelas ruas de éssepê — algo que faço com prazerosa frequência e que gerou o nome de todo esse projeto — que pude recuperar uma importante parte minha perdida por motivos ainda duvidosos. Defendo brutalmente essas andanças por elas sempre me proporcionarem uma espécie de catarse. Quase como uma forma de me ver de fora… de mim. E reencontrar numa esquina, pelo boteco, do outro lado da rua, pequenos ou enormes prazeres elétricos atropelados pela rotina asfixiante e assalariada.
Estive distante da literatura desde o meu último término. Reflexões posteriores me ajudaram a entender que, enquanto perseguia a manutenção do meu relacionamento, eu li de maneira desesperada. Sem conseguir encarar o fracasso evidente da minha realidade amorosa, eu apostei nos livros como uma forma de fuga. Uma maneira sadia de visualizar outros repertórios, acessar um mundo um pouco mais colorido do que o meu na época. Além, é claro, de ter uma companhia fiel e sempre interessada, algo que também inexistia nos últimos tempos na tal vida de casal. E não me arrependo nenhum pouco. Mais uma vez, a literatura foi um alento e realmente me permitiu estar mais forte, quando fui obrigado a enfrentar o que deveria há muito ter sido enfrentado.
Por outro lado, não me apoiei mais nela desde então. Talvez, eu me esforcei para justamente fincar os pés no chão e saber de cor todos os absurdos reais que eu vivi nos últimos tempos. Talvez, eu precisasse me distanciar das linhas para finalmente mergulhar em dores brutais que, indubitavelmente, estavam sendo menosprezadas. Dito isso, quase como um conselho assoprado no meu ouvido, decidi virar à direita e entrar na Martins Fontes, a única livraria decente que ainda resiste na Avenida Paulista.
(Eu já falei um pouco disso em outras edições, mas prometo um dia ainda fazer um número especial apenas sobre essa assepsia literária que domina éssepê. Uma violência, um extermínio e com consequências assustadoras!)
A livraria é definitivamente um espaço sagrado. Para mim, o exemplo mais próximo que tenho de uma experiência transformadora. Por ela, eu consigo deixar os problemas e dores de cabeça do lado de fora e iniciar uma saga lenta e indescritivelmente corajosa pelas prateleiras, por vezes, empoeiradas dos seus meandros. Toda livraria faz um convite para exploração. É justamente essa a valia dela. É um espaço que faz um convite para ser descoberto. Um espaço indomado e que nunca se apresentará da mesma maneira. E eu que quis esquecer disso por um tempo, prometi nunca mais deixar de venerar essa serventia.
Dessa forma, o único elemento que eu tinha consciência absoluta era de que precisava de POESIA. E foi cavucando os meios dessa categoria que fui surpreendido por Ana Martins Marques. Aqui, eu já me desculpo pela minha ignorância prévia em nunca ter me aventurado na literatura da poetisa, mas preciso ser franco ao dizer que realmente não a conhecia.
Comprei dois livros: RISQUE ESTA PALAVRA e o LIVRO DAS SEMELHANÇAS, ambos da Companhia das Letras. E até agora, tenho extrema dificuldade em expor pelas palavras a magnitude dessa escritora. Também não quis, por enquanto, me aventurar em toda a biografia dela. Quero degustar cada elemento que se abre a cada poema que leio. Todos sabem que eu tenho um livro publicado de poesia e o quanto eu me empenho em conhecer autores, em me abastecer dos mais variados nomes e o meu profundo respeito a esse estilo literário.
Mas Ana Martins Marques bateu quase como a primeira vez em que eu li Ana Cristina Cesar. Foi uma solapada na cara. Foi uma alteração brutal no que vinha sendo construído. Uma reformulação do que eu começava a desenhar como o meu entendimento de poesia. Ainda é complexo esmiuçar todas as camadas dessa experiência catártica. Agora, só posso querer ler mais. Quero ler tudo. Quero mergulhar como fiz com Hilda Hilst. Só então posso avançar nos meus parágrafos. Por enquanto, estou refém de uma poesia próxima, de uma poesia acessível, de uma poesia instigante e brutalmente poderosa. De uma poesia que timidamente decidi declamar na página dos Andantes no Instagram e Tik Tok, algo que eu nunca fiz antes. Por lá, eu sempre declamo textos de autoria minha, mas dessa vez, não teve como. Foi mais forte. Foi necessário dizer aos quatro cantos que eu descobri Ana Martins Marques. E que tudo se encaixou. Ou que tudo se desencaixou de vez, mas, agora, radiante em saber que eu estou, enfim, de volta.
Lucas Galati
✍️ A newsletter dos Andantes tem o modelo gratuito e o modelo pago. É importante destacar que no modelo pago, você vai contar com dicas bacanas das mais diferentes ordens e para todos os estilos, mas que ainda o que é o mais valioso, para o presente autor, é o texto em si. Seja a poesia, a crônica, o conto… A principal preocupação será sempre a construção textual e literária. Costumo enviar uma nova edição da newsletter de 5 em 5 dias. Não deixa de arriscar os seus passos nessa andança!
😜Só para lembrar que você pode adquirir o meu livro AQUI!
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não conheço a obra da ana martins marques, mas que capas lindas! 🥹