Como domar uma estrela ou O amor de Catarse e Metáfora
Partiremos amanhã. Levarei os meus gráficos em folha de ouro, o melhor programa de tradução de japonês para o livro das instruções e o que mais? Já sei, eu presumo. Catarse já tem o seu espaço garantido. Fique tranquila! Só teremos que dar aquelas bolinhas maturadas para evitar latidos agudos. A viagem é longa e eu precisarei me concentrar. São muitos botões até a nave levantar voo.
—E ele riu alto. Riu por ter rastelado uma piada ensopada de conotação sexual que aliviaria os ânimos da esposa que tinha medo de altura e disse que iria com a janela fechada, sem saber se a nave tinha janelas.
Amor, não deixa de colocar na nécessaire o Vonau, o meu Rivotril sagrado para dormir sem os meus demônios e os milhõe$$$ que estão atrás dos explosivos cor de rosa debaixo do sofá do sótão. Sofá do sotão! Sofá do sotão!
—Riu um pouco, tendo a certeza de que encontraria uma tirada sagaz, mas se perdeu vendo o próprio reflexo.
Amanhã, será um grande dia. Se do topo, a súcia já me obedece. Imagina do alto de uma estrela. O meu recado estará dado. A cara estampada nas notas de dinheiro, em cartazes, outdoors nas esquinas, na lata do leite, nas côdeas de pão. Estarei em todos os lugares. Serei a personificação da estrela. Serei Rá, Zeus, Zeitgeist!
—Não terminou rindo dessa vez, por mais que o discurso favorecesse uma exaltação maléfica. Terminou se olhando mais fundo. Admirando a coragem heróica, era um desbravador, um aventureiro nato, era o grande responsável. O homem que domaria uma estrela. Catarse soltou um latido que foi ignorado.
Amorzinho, tudo pronto! A nave está em posição. Regou todas as plantas? Quero as flores vivas e abertas para quando voltarmos. Botões apenas dentro da nave. Já consigo ouvir as palmas, as entrevistas. E sei o que direi. Explicarei os cálculos, a minha visão estratégica e até os próximos desafios. Chutarei alto! PLUTÃO! O que acha? E você, Catarse? Está animada?
—A cadela não latiu, mas abanou o rabo quatro vezes exatas. Fazia isso quando não estava convencida.
Dez, nove, oito… apertou o seu capacete, amor? A roupa ficou boa? Avisou a sua mãe? Logo perderemos o sinal. Sete, seis, cinco, quatro… Amor, obrigado pelo apoio, a nossa história bem no alto de uma estrela. Três, dois, um…
—Em poucos segundos, a nave já deixava o campo de futebol profissional instalado ao lado da casa de hóspedes da mansão do casal no interior de São Paulo. A esposa brincava de acenar para ninguém, enquanto Catarse latia desesperadamente. O remédio ainda não tinha provocado qualquer efeito.
Tudo sob controle. Botões coloridos. Botões grandes. Somente azuis. Botões meus. Instalados no esforço de quem mereceu. Rimou! Eu, eu, eu escalei até o topo. Agora, eu estou aqui. Aquiii! Aqui é o topo da raça humana…
—Quase não terminou a frase. Uma faísca foi vista pelo casal dentro da instalação intergaláctica. Começou como uma fagulha e rapidamente se espalhou, derretendo cada botão. A nave começou a cair quando os prédios já ganhavam contornos minúsculos. E caiu em proporção acelerada. O casal gritava e se abraçava na tentativa de enfrentar o pânico. Nenhuma palavra foi dita. Catarse dormia pelo efeito das bolinhas maturadas. Pouco antes de perder os sentidos, a esposa vestiu o paraquedas em Catarse e com lágrimas nos olhos apostou que a amiga canina, ouvinte de todas as suas confissões poderia sobreviver, mesmo adormecida. Puxou rapidamente a corda que abria o paraquedas e a esposa conseguiu ver Catarse sobrevoar. Foi a sua última visão, antes da queda no meio do oceano que provocou marolas mais intensas na praia de Mococa, em Caraguatatuba. Muitos banhistas avistaram uma bola de fogo lá no fundo do oceano, mas estava muito calor e a caipirinha descia gelada. Celulares também piscaram notificações desesperadas anunciando a tragédia. Alguns poucos demonstraram sinais de piedade, pendendo a cabeça para o lado esquerdo.
— Catarse seguiu viva no seu voo adormecido. Pousou tranquila na casa de Dona Eunice, moradora de um sobrado simples bem perto de Ubatuba. Quando acordou, comeu algumas migalhas de pão e lembrou do dono, mas logo se engraçou com Metáfora, o labrador da família. Quando viu a cena, Dona Eunice tentou gritar e impedir a cópula de Catarse com Metáfora, mas já era tarde demais.
Nasceriam cinco filhotes, mas três morreriam. Sobrando um macho e uma fêmea.
Agora é com vocês, qual o nome preferido desses filhotinhos?
Lucas Galati
ILUSTRAÇÃO: Oliver Jeffers
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