Uma carta desaparecida
Todo amor desistido incendeia o rastro e volta ao início
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Não deu tempo de ser um mapa. Uma jura ou outra, talvez, ainda adormeça bem no meio da montanha de Thomas Mann, mas não evoco e considero cedo para releituras. Há também uma poesia envergonhada espalhada debaixo da cama. Deixei ali para alimentar as minhas passadas enraivecidas por sonhos essencialmente intangíveis.
Não me considero uma presa fácil. Arrisco dizer que a minha urgência se constrói com tonalidades bem mais egoístas. Quem sabe, numa estreia indesejada, a inocência comandou ligações desesperadas do outro lado do mundo? Mas até nessas condições, o protagonismo e a criatividade foram todos meus. Aprendi que esculpia saborosas narrativas e noites insanas de prazer. E o investimento era todo sabido e contou calorosas primaveras, só que numa noite, a inconsciência abriu os meus olhos e experimentei, sonífero, o que me era totalmente equivocado e repetidamente proibido. Não mergulho mais fundo. Há segredos e segredos. E aquela noite foi só um presente do outro lado, de alguma fada hedonista que absorveu a intensidade do meu sentir e jogou esse regalo pelas medidas do meu travesseiro suado. Acordei vivido.
E quase agora, chamei pela coleira da razão. Algo se escapava. Pois, era mesmo assim. Um malabarismo inventado e reescrito pelo desejo da pele, um querer insano, animal, ferino. Todo defendido por argumentações reforçadas, mas errado já no berço. Nasceu a ideia, já capturando as vírgulas das esquinas, as promessas assopradas na suavidade das pétalas de leão que voam fácil para ensinar as naturezas a brotarem. As pequenezas que vencem horizontes e dançam nas intempéries dos oceanos magistrais. Beijam fácil a terra: a consequência que se precisa de tão pouco. Não foi diferente. Não mesmo.
Não notei quando piscou uma desculpa doce e em menos de dois parágrafos, fisgou a minha revolta e jogou para depois. Não incentivei os determinados contrários, quando se despiu e me abraçou com a força exata e um cheiro completo nos amarrou por algumas horas nos lençóis de seda. E eu só supunha se poderíamos vencer apenas uma noite inteira? Se eu te faria adormecer? Se eu estava pronto para o começo de mais um final dolorido?
E eu relia as mensagens que escapavam efusivas dos seus dedos longos. Repetia todas elas na sombra de um pulo numa baía gelatinosa e visceralmente assassina. Conhecia o nado, mas nunca pude atingir o fundo. As minhas braçadas foram solúveis, foram rasas, foram indiferentes. O feixe ainda refletia a chegança da minha novidade, mas não demoraria para reconhecer a fundura dos meus riachos, os modos que comandam o meu corpo descuidado ou como eu repito, de maneira enfadonha, o sabor doentio de uma insegurança responsável.
Perto do fim, já não me gostava. Detestava como eu me vestia para me proteger de você. Uma armadura montada às pressas e sem saber mais do que um arranhão curado em um dia. Eu não me vi pronto. Afinal, o meu braço te transpassava, logo depois de gritar o meu prazer que ecoava pungente pela cidade anoitecida. Eu nunca estive. Eu não soube. Eu desisti. Assumo, portanto. O meu amor aqueceu foi por uma ideia. Uma ideia de alguém que eu não conheci. Eu até achei que o teu olho me capturaria, mas já não parto em trajetórias intempestivas e sei o peso exato de uma paixão. Sei o seu modo de agir e como infecta pela rapidez, mas não mais. Conheço, enfim, os meus quereres. E eles tem as suas cores, as suas intensidades, nevralgias, as suas cruezas. Não mais os apagarei. Não diminuirei as suas relevâncias. Foi por isso que me despedi naquele dia também e deveras desimportante.
Lucas Galati
Ilustração: Chiara Ghigliazza
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