Uma Bella aventura
Desde a última edição da newsletter, os neurônios hiperativos desse cérebro sagitariano tinham decidido vestir as copas do baralho e tecer uma narrativa incentivada pelas fisgadas corriqueiras da poesia. No entanto, dessa vez, o experimento literário carregava como premissa permitir que a carga poética percorresse corredores maiores. Livre e selvagem, a poesia se estenderia até o possível desenho desfigurado de uma crônica, quem sabe?
A vontade genuína resiste nos meios do peito e é justificada, principalmente, pelos 20 anos sem uma das maiores escritoras que o Brasil já teve. Hilda Hilst reformulou o meu entendimento da literatura e por isso, os meus parágrafos seriam totalmente dedicados à ela. Uma mulher que soube trabalhar com o sarcasmo, o erótico, a ironia e se aventurou com excelência em praticamente todos os estilos literários. Guardarei esse brinde necessário, mas o Domingo não coube num dia e avançou para hoje. Eu acreditei que seria mais uma simples ida ao Cine Marquise, um dos meus cinemas favoritos em éssepê, mas acabei desmembrado por um filme acachapante.
Pobres Criaturas é um dos queridinhos do Oscar, mas como eu sou o primeiro a dizer numa mesa de bar que a premiação é só mais uma forma dos Estados Unidos distribuir soft power pelo mundo, acabo não aderindo as maratonas dos amigos cinéfilos e nem levando a sério as avaliações da dita academia. No entanto, Pobres Criaturas do diretor grego Yorgos Lanthimos vai muito além de qualquer validação ou premiação.
Não lembro a última vez que eu deixei o cinema tão absorto. A minha cabeça queimava com tamanha surpresa. Não sou nenhum expert em cinema, mas tenho a língua afiada e um bom senso crítico. Numa rápida tentativa de rewind, tropeço em Babilônia do diretor americano Damien Chazelle como uma das últimas películas ticadas como ✔FANTÁSTICA✔ na minha biblioteca cinematográfica. Um longa importantíssimo que foi brutalmente menosprezado pelas douradas premiações, o que me revolta em dias quentes de discussões lisérgicas. Além disso, trouxe uma outra maneira de encarar a atuação da australiana Margot Robbie, que indiscutivelmente é digna de estatuetas.
Nesses parágrafos virtuais, não pretendo me agarrar na sinopse, mas reforçar o quanto Pobres Criaturas precisa ser visto e explorado. A história de Bella Baxter, interpretada pela atriz americana Emma Stone, é um convite para o espectador desnudar a natureza humana. Não sou nenhum grande fã do trabalho de Stone, mas, dessa vez, seria injusto não caracterizar como primoroso o que ela trouxe para Bella. Um trabalho de corpo exímio, além de uma atuação que permite que o espectador acompanhe o processo dela se vestindo das camadas sociais e das regras que permeiam a rígida era vitoriana. Os questionamentos saborosos que ela é obrigada a enfrentar são mantidos em diálogos intensos que me lembraram Sonata de Outono do diretor sueco Ingmar Bergman. Uma densidade capciosa que exalta a filosofia, a psicologia, além de criticar duramente o capitalismo e jogar holofotes de maneira adulta na construção do feminismo. Bem diferente da quantidade de rosa que cega o ovacionado filme Barbie da diretora americana Greta Gerwig. Aos aficcionados, não pedirei perdão, mas afirmo que me esforcei para tentar encontrar algo de valioso no filme. No entanto, me deparei com um longa que me lembrou High School Musical com pitadas de auto-ajuda, temperado com atuações fraquíssimas e uma tentativa de crítica ao machismo encontrada no desenho de uma criança da segunda série. De Barbie, vale apenas a música “What was I made for?”de Billie Eilish.
Voltando ao que interessa. A atuação magnífica de Stone é abrilhantada também pelas performances dos atores Willem Defoe e Mark Ruffalo que entregam uma comicidade que realmente leva aos risos e nos tira dos abismos que geraram a personagem Bella e que permanecerão na sua caminhada ao longo de toda a narrativa. Como se não bastasse o roteiro ímpar, o trabalho de arte e as referências usadas na construção do filme são de ferver qualquer cérebro. Repito que não sou nenhum estudioso do cinema e posso cometer alguma gafe, mas encontrei no filme de Georges Méliès e Buñuel até Terra em Transe de Glauber Rocha. Uma maneira tão criativa de se utilizar das lentes, da tecnologia. A chegada de Bella à uma Lisboa retro-futurista e as intempéries que ela enfrentará a bordo de um navio enigmático são dignas de voltar ao cinema duas, três vezes. Asseguro que o preço salgado do ingresso valerá a pena.
O filme é baseado no livro homônimo do escritor escocês Alasdair Grey e bebe enormes goles do clássico Frankenstein da escritora britânica Mary Shelley. A diferença é que o grotesco no filme recai sobre o criador e não sobre a criatura de longos cabelos pretos.
Deixei o cinema e o filme permaneceu comigo. Já estava com saudades dessa sensação que foi melhor elaborada com ajuda de um pirarucu com banana-da-terra do restaurante Balaio do chef Rodrigo Oliveira, criador do famoso Mocotó. A minha companheira de aventuras, Paula Salati, se deliciou com uma lasanha com massa de couve, bechamel de abóboras e diferentes queijos. Uma experiência gastronômica que fez do Domingo, normalmente deprê, repleto de sabor e conversas passionais.
Mais uma vez, repito:
A ARTE MORA NO ENTRE!
Lucas Galati
Endereço Cine Marquise: Av. Paulista, 2073
Endereço Balaio (no Instituto Moreira Salles) : Av. Paulista, 2424
😜Só para lembrar que você pode adquirir o meu livro AQUI!
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Ao que tudo indica, vai levar todas as categorias do Oscar então… Só comentários bons sobre ele. Quero assistir também!
Também vi o filme este fim de semana que passou! E parece que ainda sinto a Bella em mim!