Um sentimento inquestionável
Acordei com um sonho salgado guardado atrás do olhos. Estava inteiro. Pude esticá-lo na cama e admirá-lo por algumas horas. Era irretocável. Uma boa fisgada nas águas nem sempre azuis que banham meu inconsciente turbulento.
No sonho, eu marcava a areia branca de uma praia do outro lado do mundo. A cada passo dado, eu fitava a dimensão da minha marca. Minha poeira, meus carbonos, meus espaços tomando espaços. Eu me admirava como parte. Um coração cósmico bombeando nebulosas. Eu assoprava cometas em forma de suspiros e o verde claro do oceano doía nos olhos. Nenhum medo enfraquecia os meus avessos.
Apesar das altas dosagens de fantasia, o meu mergulho onírico foi inspirado numa caminhada consciente. Aos 18 anos, eu pude conhecer o outro lado do mundo. Visitei alguns países por lá e realmente me aventurei em praias paradisíacas, experiências singulares e paisagens deslumbrantes. No entanto, o sonho não era apenas uma lembrança do começo da minha juventude. Acordei ensopado de sentimento.
Um sentimento grande. Quente como a raiva. Quase como saudade. Um sentimento que contorcia os meios do estômago, mas não era ruim como a angústia. Hoje, com 35 anos, assumo a dificuldade em reconhecer os meus sentires. Ainda mais quando navego por terras desconhecidas ou desafiadoras. Verbalizo os incômodos e as obsessões como rompantes de ansiedade, mas aprendi em anos de divã que cabe muita coisa nessa palavra contemporânea.
No entanto, o sentimento que eu me referia era claro. Evidente. Estava pronto para saltar da língua. Não me prendia. Não tentava se esconder. Estava ali. Era como?
…
CORAGEM! Sim. Era isso. Ou melhor, a lembrança de quando eu a sentia com extrema facilidade. De quando ela vinha sem preparo. Sem rodeios. Eu a vestia nas mais diversas situações. Ela não me decepcionava e me protegia. De mim mesmo.
Não há dúvidas de que envelhecer é se perguntar. Cada vez mais. É cultivar buquês frondosos de ressalvas. Evitar situações que possam te colocar em risco. Risco que, muitas vezes, existe apenas nos maremotos de uma cabeça cansada. O sonho amanheceu em mim. Uma travessia pela extensão saborosa de um sentimento INQUESTIONÁVEL. Naquela época, eu era apenas coragem. Uma coragem jovem que fluía sem rituais. Sem muitas divagações. Eu me sentia bem mais pronto.
Os anos pesam os ombros e castigam a coragem. A gente se recolhe na gente. É também uma estratégia de proteção. Evitar o próximo pulo. Um possível abismo. As altas voltagens. Mas o sonho também lançou uma pergunta: onde caminha a minha coragem?
Definitivamente ela não me largou. Ela ainda me veste quando preciso responder a uma agressão na rua ou no ambiente de trabalho, quando assumo os cabelos brancos ou cruzo uma rua movimentada. Ela está comigo quando publico um livro, encaro um novo relacionamento ou decido me arriscar numa frente de trabalho inusitada. Ela não desapareceu.
Só acho que caminha distante da praia de areia branca do outro lado do mundo.
Lucas Galati
OBRA: Os gêmeos - The Other Side
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