Um feliz dia, meu amor
São datas e datas.
Há algum tempo, defendo a ritualização de eventos triviais e cotidianos como uma forma de me aterrar na natureza humana e celebrar, nem que seja por um post-it colorido colado na porta do armário, as conquistas do meu universo particular. A mesa não tem sido tão farta, mas se o investimento é convertido em algum sorriso fugaz ou numa lembrança morna, o objetivo foi cumprido com enorme sucesso.
E faço isso para suavizar a passagem do trator da rotina que, indiscriminadamente, transforma os dias num terreno descampado, um plateau nada empolgante. Quem me conhece do avesso, sabe que eu sou um homem de extremos. Parte da razão dos comprimidos que tomo é justamente para que o pouso numa ideia intrusiva não seja tão horripilante e não percorra meses de obsessões insones. Por outro lado, abomino ver os meus dias presos numa mesmice enjaulada e infrutífera. Preciso do estremecimento, da combustão que me faz reagir, repensar, renovar o cardápio e, enfim, discorrer verborrágico sobre a beleza das múltiplas facetas que me compõem.
Hoje é um dia, no mínimo, esquisito. É inegável o caráter comercial da data. Um dia dedicado puramente ao consumo. Ou se a raiz da celebração já esteve embalsamada nos idos da história, a fundação, definitivamente, se perdeu pelas presas sempre afiadas do capitalismo. Ao mesmo tempo, serei um eterno defensor do amor. E quando visto os pés de pluma, consigo fazer do dia 12 de junho, uma maneira de renovar o compromisso numa gastronomia inusitada, num pé solto de tulipa que morrerá em três dias ou na melhor marca de chocolate suíço. Fiz isso por 14 anos. Fiz dessa data, o momento de reafirmar o valor desmedido de um relacionamento e a importância de poder se dividir e construir uma narrativa conjunta nessa perversa selva egoica e de pedras.
Não me arrependo do mais simples movimento já feito para solidificar o amor. Não alteraria nenhum embrulho comprado em infinitas parcelas ou nas horas que despendi para confeccionar um regalo cheio de significado e abarrotado de futuro. Fato é que, depois de 14 anos, a data se faz, curiosamente, inédita.
Nessa nova e turbulenta rota solitária, uma frágil construção se inicia. Tijolo por tijolo, a montagem não se tornará parte de uma trincheira e nem será um exímio trabalho manual a ser entregue, com corações de veludo e animais de pelúcia, na esperança de ver uma lágrima se desprender do olho de quem supostamente deveria te amar na mesma ou em maior intensidade. A construção não tem formato idealizado e nem serventia definida. Nesse dia, eu despendo exclusividade absoluta a um quebra-cabeça, onde todas as peças são iguais. Onde todas as peças são partes minhas. Onde só eu posso moldar uma silhueta compatível ao que eu realmente desejo agora e daqui pra frente. Talvez, no fim de tudo, seja apenas mais um espelho. O cume de uma montanha íngreme. A estalactite da caverna mineral que ainda me esconde. Eu realmente não sei. Sei que, depois de 14 anos, a minha construção não será partilhada. Não estará ancorada no aval do outro. Não será entregue.
Como disse, são datas e datas. Portanto, detenho autonomia suficiente para me embaralhar. De novo e mais uma vez. Para arriscar um esboço. E para destruí-lo num ápice de raiva. A vida tem se mostrado assim. Volátil, efêmera e deveras inconstante. E eu poderia me blindar numa arquitetura reforçada, fazer da construção uma barreira intransponível, evitar qualquer aproximação numa mordida amargurada de um bicho acuado por traumas ardidos. Pouco sei ainda, mas sinto o meu peito aberto. E aposto nas copas — sei que já disse. Mas já não mais como a única canastra possível. Quero apenas jogar. E saber lançar os meus próprios desafios. Seja na traiçoeira paixão que vira a esquina ou no silêncio que conversa comigo quase todos os domingos.
Lucas Galati
Obra: Susano Correia
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tenho sentimentos conflitantes em relação a datas comemorativas: de umas, eu gosto; de outras, não. o dia dos namorados é uma que não faz diferença para mim.