Um chá de si
Ilustração de Chiara Ghigliazza
Preparou um chá de camomila. Antes do primeiro gole, resolveu espremer um limão e adicionar um pouco de mel. Acreditou numa dosagem perfeita, partes iguais, nenhum sabor levaria vantagem. Não naquele dia. A calma, o azedo e o doce aquecidos numa mistura, uma poção, a ajuda que ela tanto queria.
Tomou como medicina. Como um remédio tarja preta com a força titânica de cavar até o fundo dela e arrancar o arsenal que carregava dentro do peito. Conhecia o seu potencial explosivo, o prazer que sentia em se piorar. Um alimento do seu inconsciente corrosivo. Uma natureza auto-destrutiva, sádica e reativa. Ao menor sinal, amassava conquistas e mastigava os brotos de segurança.
Do outro lado dela, o arrependimento esticado. De quem perdeu mais uma batalha. O cansaço do enredo repetido. Era quando a insônia acendia e o medo encobria o reflexo no espelho. Logo, abraçava a loucura, duvidava dos prazeres mais banais. Vestia o seu próprio cabresto, na ânsia de ser domada, vencida, isolada de si. Pedia para encontrar o seu núcleo, a partícula que justificaria todos os comportamentos insanos. A porta certa, uma escada, uma linha exata de pensamento que serviria de guia para o avesso. O pedaço que ela sabia que tinha. Uma parte com gosto bom, a última frase de um livro ou a mistura exata de um chá. Nem calmo. Nem azedo. Nem doce. Um chá com um sabor novo.
Um chá de si.
Lucas Galati