Um alô no parque
Hoje…
Escolheu o quintal de azulejo vermelho da casa que se abria e dimensionava o tamanho fundo da infância. Seria só mais um dia de lágrimas pesadas? Ou a consequência direta de um mês astrologicamente instável? Preferiu se agarrar na lembrança de uma praia de fim incerto e deixou o nervo responsável se estender e cumprir a sua determinada função biológica, o trajeto elétrico até desaguar no parágrafo de um livro recentemente aberto que precisou de segundos maiores de maturação e a multidão cansada vencia a mesma intenção de um contrafluxo impensado ou ainda nas milhares de estrelas colecionadas por um olho jovem na terra quente, onde padres dominavam a língua dos lobos.
Não soube dizer o horário, quando se ajeitou na grama do parque que não gostava.
Aumentou a música dos fones pagos em muitas prestações e quis gostar de rock and roll como nunca. Algo mais rebelde do que Titãs ou Rita Lee. Queria gritos guturais, destruição de baterias e cusparadas enraivecidas contra o sistema opressor. Não demorou para se perder no berro de uma criança aguda que perseguia pombos glutões. Retomou a infância e se questionou se a paternidade poderia ser um caminho. Como então? Os traumas ainda recheiam o salário da terapeuta, as contas não fecham e a paciência era escassa com as crises de choro e de violência extrema do suposto rebento. O que falaria se um filho quisesse derrubar uma porta ou atacar o amigo com uma mordida voraz e sanguinolenta? E se, na juventude, quiser adormecer ao lado do terço ou, quem sabe, mergulhar em porres avassaladores, ser preso com um sorriso no rosto e receber a alcunha dos colegas de bar: mestre das madrugadas?
Antes da crise de ansiedade, se deixou levar pela fome que já preenchia o estômago, mas teve preguiça de levantar.
A posição era favorável e o intuito do dia era alimentar ao máximo o ostracismo, mesmo com uma cabeça indomada. Arriscou lembrar da Biologia, enquanto admirava o corpo esquisito de uma formiga diferente que atravessava hesitante o gramado que, agora, recebia uma partida amadora de futebol. Como seriam os segundos antes da morte? E será que o sorvete é bom no Urbe Café? Queria um sabor esquisito, como estava sendo aquele dia. Pensou até em jantar um cardápio inusitado: tailandês, coreano, vietnamita? E exatos dois minutos antes do celular tocar, uma bolha de sabão estourou perto de onde estava deitado. Ao lado, uma menina de cabelos cacheados ria alto com o rastro de susto que ele não soube disfarçar. A resposta foi um sorriso sem graça, já distante. Pensava as bolhas de sabão — momentaneamente se questionou por onde andava Cláudia Leitte? Mas avançou numa ideia estapafúrdia de que pensamentos poderiam ser apenas ar retido, bolhas que abriam espaço nos meios da cabeça e podiam estourar. Podiam estourar! Eram leves e insignificantes se mantidos em estado de bolha. São irreais dessa forma. Não andam ao meu lado, não me perseguem. São quase como escolhas flutuantes. Frágeis, voláteis. É só assoprar.
Uma ligação impediu o nervo de cumprir o seu trajeto e acender uma nova parte do cérebro que poderia reestruturar e apagar pequenos traumas que alimentavam, por exemplo, um medo de avião e o gosto da cebola. Ele levaria para o divã, mas o efeito seria outro, longe da catarse que se desenhava.
E a ligação não era para ele. Era engano.
Lucas Galati
Ilustração: Aline Zouvi
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na dúvida, era melhor não ter atendido…