Terminal SAMPA
Sampa adoeceu.
Os sintomas não são de hoje. O início exato do quadro clínico será um ponto de incongruência e coleciona as mais criativas versões. Tenho absoluta consciência de que o meu conhecimento sobre as temáticas que envolvem o processo de urbanização da cidade de São Paulo não está chancelado por um diploma de arquitetura, engenharia ou sociologia. Ainda não comecei o meu mestrado e tenho dúvidas se arriscarei um mergulho profundo em políticas públicas.
MAS (in capital letters)…
investi um bom tempo — há alguns anos — em estudar o momento histórico em que Sampa deixou de dormir por causa de uma febre alta até colapsar encarcerado num modelo de desenvolvimento brutalmente questionável.
O interesse tímido virou a defesa numa pós-graduação no CELACC, na ECA-USP. A investigação trazia como tema central o Largo da Batata, na zona oeste de São Paulo. O local, que já foi conhecido pelo seu comércio popular, foi exterminado pela especulação imobiliária, teve as suas características apagadas e acabou transformado num grande deserto de concreto sem história, sem função, sem sentido.
Nesta época em que delimitava o foco da minha pesquisa, havia uma tentativa organizada de reativar o Largo que partiu de um grupo de moradores da região de Pinheiros. Projetos extremamente interessantes e que tiveram enorme impacto, mas que foram paulatinamente perdendo força para os desafios que envolvem a árdua batalha de reanimar um espaço público dizimado pela especulação imobiliária. Aos leitores que tiverem interesse deixo a minha pós-graduação à disposição AQUI.
Não vou me estender. Prometo não alimentar a minha prolixidade e transformar esse texto numa outra defesa de tese. Mas vou instigar os leitores a uma rápida investigação no nome de Prestes Maia e o seu meteórico plano das Grandes Avenidas. Transformar São Paulo na Chicago da América do Sul:
Francisco Prestes Maia junto a Ulhôa Cintra projetaram um plano de avenidas para São Paulo, uma visão consonante com os interesses empresariais e imobiliários e que traziam os ideais de desenvolvimento e progresso altamente difundidos na época. O projeto desenvolvido tinha a função de priorizar o carro e, com isso, a formação de uma cidade espraiada, aos moldes estadunidenses (…)
BALIEIRO, Lucas Galati (2015) - Largo da Batata: da revitalização à reativação de um espaço público
Defendo aqui que os primeiros sintomas da doença paulistana surgiram desse “despertar” rodoviarista. Infelizmente, o quadro de Sampa piora gradualmente. Afinal, de 1930 até hoje, o modelo pouco foi alterado. O investimento nas grandes avenidas voltadas para o carro permanece mais vivo do que nunca, a criação dos grandes cemitérios de concreto feitos exclusivamente para a passagem de pedestres podem ser vistos por toda a cidade. São Paulo se espraiou e não houve preocupação em permitir que o usuário adentre os seus meandros, seja incluído nos seus processos, que pudesse participar de maneira ativa dos seus desenvolvimentos mais necessários.
Agora, Sampa vive em quadro terminal. Sampa sofre de memória. Sampa sofre da rapidez que estampa o marketing da cidade. Sampa não tem mais cara. Não tem mais cura. Não tem um jeito próprio. Sampa fecha os seus bares mais cedo. Assassina a sua boêmia. Sampa perdeu quase todas as suas livrarias. Sampa fechou os cinemas de rua. Sampa é cara. Sampa é perigosa. Cuidado com a rua. Sampa se fechou nela. Os vidros são blindados. Os edifícios engoliram o quarteirão inteiro e colecionam blocos de nuvens. Sampa está estranha. Sampa está escassa. Não é mais pública. Sampa é grade. Sampa é grande. Sampa não é sua.
QUANDO CHOVE Frederico Barbosa Em São Paulo, quando chove, chovem carro. Tudo para: pontes, viadutos, Marginais. E a água retoma seu curso original: Anhangabaú, Sumaré, Pacaembu. Ruas onde eram rios, ex-rios, caminhos de rato, canais. Rios sobre ruas, Avenida do Estado, Via Dutra, Radial. Em São Paulo, quando chove, chovem apocalipses de quintal.
Lucas Galati
PS: Tarefa do dia!
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Estou há muito tempo fora de São Paulo e é claro que sigo acompanhando o que acontece com a minha cidade. Mas, confesso que ler um texto como esse vem uma tristeza... Minha amada Sampa está cada vez mais abandonada. Acho que quando voltar, corro o risco de não reconhecê-la mais...