Será você?
A tua distância fez o grafite quebrar.
É que eu não entendo a força desmedida
que me antecede e
maltrata qualquer clarão
que apareça diante do papel equilibrado
na mesa de centro.
E acho que uma carta é para os que não sabem boiar,
para quem guarda ou aguarda
oceanos,
para riscar uma suposta linha de tempo e
convencer as gerações seguintes de que
existiu e
valeu a pena.
Não sei se será você. Não sei se as oxítonas serão as mesmas ou se os dias de céu nublado farão eu pensar demais na minha respiração ou sobre os caminhos curiosos que renovam a saliva na boca. Há um centauro que me protege, mas não economiza galope em possíveis zonas de perigo. Eu preciso da cor azul turquesa e de repetições atentas. A rota de fuga permanece como o melhor esconderijo. E eu não desminto — aprendi a desistir no embalo de um cheiro mamário. É quando a vitrola cumpre a sua natureza e arrasto lágrimas prontas pelos corredores de uma casa que eu nunca vi, mas que eu desejo. São corredores antigos. As voltas que completam o estômago de uma pessoa que eu não conheço, mas que se veste de mim. Uma lembrança pegajosa. Uma lembrança molhada, como a tristeza que escorre de uma vez pela janela, também úmida, no alto da serra que me restou. Eu imagino que todo morro seja velho e que se explique em português. No fim da tarde, eu gosto de me desatarraxar. Desprendo as pernas, uma de cada vez. Os braços mantenho presos no cabideiro para secar, as orelhas coloco na geladeira e então a visão, indissociável, explica o gosto de açúcar do corpo volátil que sabe planar e se aproxima dos morros que também brincam de cuspir bolas de fogo. E não sei se será você. Afinal, guardo o que você sangrou no papel, mesmo sem entender a sua poesia. Acho que as peles escutam. E as rugas são as fendas de onde se escorreu até secar. Nossos buracos negros. Nossos corredores escuros. E eu, eriçado, sem nenhuma idade nos ombros, cantarolo o refrão de Nina como um chiste ou como um lamento. Já não importa. Nada mais importa. Um sorriso rasga fundo a minha carne, mas desaparece rapidamente — bem diferente de uma ruga. E eu solfejo até que o som inesperado de uma campainha me obriga a voltar e me montar outra vez.
Lucas Galati
Obra: Fauna de Pamela Munhoz (@pamelamunhozart)
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amei essa imagem poética do grafite quebrando, sabe. Sempre fui o garoto que não poderia ter lapiseira justamente por essa falta de habilidade, uso desmedido da força? desequilíbrio. Talvez
triste os sorrisos durarem menos que as rugas…