Se joga, bebê!
Despencar na solteirice aos 35 anos é definitivamente um salto carpado no escuro. E, por aqui, o pouso forçado, ou melhor, inesperado se deu após quase três mãos cheias na companhia de alguém. Um elemento crucial para solidificar o meu espanto e os desafios que navegam nesse novo universo de caras e bocas.
Lembro com riqueza de detalhes que as minhas primeiras engatinhadas no universo LGBTQIAPN+ da época foram também temperadas por um cansaço extremo ao perceber que a minha dança do acasalamento não era nada convincente e que chegar em alguém na balada era sinônimo de autoflagelação e goles indesejados da bebida mais forte do estabelecimento.
O cenário pouco foi alterado. No entanto, eu que sempre fui um crítico ferrenho dos ditos avanços cegos da tecnologia, assumo que os aplicativos revolucionaram a minha vida amorosa. A proteção de uma tela foi essencial para que eu conseguisse relaxar e poder desenvolver um princípio de diálogo e o melhor: sem a ajuda da malvada da cachaça. Por meio deles, o papo finalmente evoluiu em encontros. Esses ainda majoritariamente e inegavelmente alcoólicos.
A minha parceira com os aplicativos se deu em dois momentos distintos. No primeiro, eu enfrentava o começo do fim de um casamento e na tentativa de apimentar a relação, a abertura foi vista como uma opção viável. E o segundo momento, é o fatídico presente. Numa timeline, eles se distanciam por aproximadamente 5 anos. Esse período é importante para embasar a mudança sentida, logo o motivo deste texto.
Talvez, a minha primeira tentativa estivesse carregada de surpresas, um ineditismo que me permitiu experiências bacanas e conexões específicas, afinal eu ainda era um homem casado. Talvez, a falta de um objetivo consolidado provocou uma leveza totalmente desconhecida para mim e, quiçá, para o outro que estava sendo cortejado. Por outro lado, 5 anos é um tempo considerável nas giras desse mundo inexplicável.
Em 5 anos, tive mais horas no divã, novas críticas ao mundo tecnológico, um outro relacionamento, mais rugas na cara, desengonçados cabelos brancos, um novo emprego, crises mais saborosas no meu repertório ansioso. E sem qualquer resposta convincente, restou apenas perceber uma mudança assustadora no que se tornou estar solteiro hoje e ainda refém dos mesmos aplicativos de outrora.
É inegável que a oferta é indescritivelmente maior. E se, antes, já me arrepiava a sensação de estar escolhendo um pedaço de carne no açougue. Agora, este é um pré-requisito adormecido nas primeiras lacunas de inscrição. E, aqui, não abordarei os golpes, perfis falsos e até casos de assassinato que permeiam escolher um parceiro virtual em potencial. A mudança que evoco é num comportamento, num modo de operação que se despede do metaverso e ganha a realidade num padrão violentamente desumano.
No meu currículo de duas páginas e gotas de insensatez, assumo que sempre cultivei a ação de se relacionar como uma forma de fazer as pazes com a minha passionalidade. Seja de forma casual ou em anos de casamento, se relacionar foi a chance de se reconhecer e de se expor — ao mesmo tempo, de se desafiar numa gama infinda de sentimentos brutais, aceitar as voltas de uma montanha-russa descontrolada e ainda soltar as mãos. Quero dizer que, por aqui, se abrir para um relacionamento nunca respeitou os rígidos termos da racionalidade. Mas, agora, na minha solteirice desavisada, fiz um pouso forçado num novo universo bem mais cerebral e bem mais rarefeito.
Sentir está fora de moda e eu realmente não sabia. A nova lógica impõe poucos comentários sobre a sua maneira de ser, as suas intensidades e pouco se fala de falhas ou fragilidades. Sucessos apenas. Os importantes feitos e as conquistas que o tornaram um elemento fundamental para a empresa. E se acontecer da pessoa tomar todas e soltar um lado ferino e intolerante na mesa do bar, não espere desculpas ou sinceridades, tratorzão por cima e a vida segue como se nada tivesse acontecido.
O desaparecimento é hype. E isso é a regra absoluta. Exceção será se a pessoa, depois de um primeiro encontro, quiser continuar uma conversa. E se um segundo encontro acontecer, aposte na Mega Sena no mesmo dia. A sorte está ao seu lado.
O date pode ser a chance de unir a galera. E nem pense em reclamar, ok? Já conhece logo a Mari, a Van, a Lau, o Vini, todo mundo de uma vez só. Mais fácil. Assim todo mundo já sabe. Todo mundo já viu. E, consequentemente, todo mundo já comenta. Quem não sonhou com isso? Descobrir as falhas e as fendas do boy pela boca sagrada dos amigos.
E o tempo é dinheiro. Por favor, não seja prolixo e nem venha com imposições. Afinal, se eu já me aventurei a sair de casa, nada mais justo do que já fazer tudo o que se deve fazer no mesmo dia. Sem delongas. Conhecer, trepar, casar e separar na mesma noite. Pode ser? É que a semana que vem estarei abarrotado de coisas e não terei tempo de olhar para o meu coração traumatizado.
E agora uma dica valiosa.
Antes de qualquer encontro robótico, vá ao supermercado ou peça um delivery com a sua refeição favorita. Ela será de enorme valia quando você voltar para a casa faminto, pedir para a Alexa colocar nas alturas “Vaca Profana” e ficar girando com um lençol amarrado no quadril repetindo: “Respeito muito minhas lágrimas, mas ainda mais minha risada…”
Lucas Galati
✍️ A newsletter dos Andantes tem o modelo gratuito e o modelo pago. É importante destacar que no modelo pago, você vai contar com dicas bacanas das mais diferentes ordens e para todos os estilos, mas que ainda o que é o mais valioso, para o presente autor, é o texto em si. Seja a poesia, a crônica, o conto… A principal preocupação será sempre a construção textual e literária. Costumo enviar uma nova edição da newsletter de 5 em 5 dias. Não deixa de arriscar os seus passos nessa andança!
😜Só para lembrar que você pode adquirir o meu livro AQUI!
👀E se quiser me acompanhar nas redes virtuais:
eu teria muita dificuldade de ser solteiro hoje em dia…