Quebra-cabeça
Doutor, me perdoe as pernas bambas e o coração disparado. A culpa quase não foi minha. Não sei se você vai me entender. Não sei se poderei me explicar. Eu amanheci para o fim e choveu do lado contrário, escorri no fundo de mim. Ainda tenho derramado. Não sou bom em esquecer. E não é fácil lembrar da leveza de uma página, quando o amor mora em cada verso escrito.
Doutor, não sei dizer se o medo é do meu fim. Ou do fim dela. Não sei se o fim que estou dizendo, mora dentro de um verbo. Talvez, o medo de morrer. De perder. Eu e ela. Loucura, né? Afinal, todo mundo já nasce perdido. Condenado ao mesmo destino. Talvez, eu tenha medo das velas. Ou esteja desistindo das palavras.
Não estou certo, mas as juntas se apavoram e a minha escrita inflama em parágrafos que não se alinhavam. Foi uma descoberta óbvia, mas nociva. Será que dói o fim? O senhor já sentiu medo? Quais são os sintomas que me faltam? Sofro de palavras. De repetições enfadonhas. De falta de perspectiva.
Doutor, obrigado por me ouvir. Mora muita coisa dentro de mim. São esse lados que disputam espaço. Quando se fixam, eu vivo bem. Amo. Danço e sonho com milhões na conta. Mas os sustos desencaixam as peças e eu quebro a cabeça. Toda vez é assim. Passo dias, meses, anos atrás da volta, do encaixe de antes, mas o ajuste deve ser reformulado. Um encaixe singular. Meu. Uma nova estrutura que impeça, por algum tempo, o avanço das ondas.
Doutor, o fim cabe na felicidade? O fim descansa dentro da cabeça? O fim pode ser um começo? Um pulo? Um novo livro? Acordar inteiro?
Doutor, não estou digerindo bem o glúten e a angústia. Estou com o peito acordado, em alerta. Um peito desesperado em proteger o meu ritmo humano. Um peito que responde diretamente às jogadas do inconsciente. As trancas. Não gosto de me sentir tão único. Isso é solidão? Traumas da infância? O senhor acha que eu consegui me explicar, doutor?