Qual o meu nome?
Eu estou aqui.
Ajudei a abastecer aquele seu último ápice de raiva que terminou com um copo de vinho estourado no meio da sala e eu também tive um papel importante na construção do terreno perfeito para a intuição que fez você virar uma rua antes e evitar um encontro indesejado. Foi uma parte minha que se desprendeu desavisada e possibilitou o choro ensopado na madrugada quando você encarou, pela primeira vez, a solidão de um apartamento sempre tão sonoro. A sua ressaca piora porque eu, às vezes, erro a medida e me apoio exageradamente sobre o seu ombro esquerdo ou incho tanto que o seu coração acaba espremido em dimensões minúsculas. Na viagem ao Chile, se lembra? Era eu, ali, do seu lado, o tempo todo. O medo também me vestiu naqueles 10 dias e eu ensaiei mantras ingênuos para me desvencilhar das dezenas de perguntas que você fazia e repetia. Mas eu não encontrei nenhum respaldo, nenhum apoio, um ponto fixo e, cansado, aceitei os rumos da tempestade que desprendia os seus pés do chão. Não fique bravo comigo! Afinal, coleciono ainda todos os tombos distraídos no quintal de azulejo vermelho da casa da sua avó e as diferentes espécies de dinossauro que você desenhava com exímio cuidado e que poderiam ter te transformado num grande artista. Eu também sou o responsável, em partes, pela sua crença absoluta e cega no amor. Amigos, família, homens. Sou eu que abro esse espaço, sou eu que permito uma existência tão brutal, tão vermelha. E você está certo! O mundo está perdendo as cores. Uma humanidade com tamanhos desafios, mas que se perde idêntica ao desaprender a olhar para frente e decide adormecer absorvida sob os reflexos doentios de uma tela de celular.
Eu estou aqui…
No que você sente no meio do peito quando respira o cheiro de chuva ou o começo de uma fogueira numa casa no interior: o seu maior sonho, não é mesmo? Eu também preservo intacta a voz do seu pai e o gosto quente da primeira paixão, sempre tão violentamente impossível. E da próxima vez em que você temer enlouquecer, estarei mais pronto para te lembrar que a normalidade é a verdadeira loucura. Sei que os medos são muitos, mas passam. Sei também das suas feridas, mas elas já se foram. O destino é a escolha. E me esforçarei por inteiro para que essa sensibilidade tamanha não se perca na rigidez do asfalto e nas horas que te obrigam em frente ao computador. Sei que você já sabe. Eu não sou o melhor e a maldade também não me compete. Não existo nesses compartimentos, as caixas servem para preservar somente os passados. E eu não estou em lugar algum. Sou ou estou. Ao mesmo tempo. Em tempo algum. Não tenho nome pronto. Nome feito. Só aceito os termos de quem me reconhece. De quem me chama.
Eu só existo agora. Eu só existo aqui.
Lucas Galati
Ilustração: Andrea Serio
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