Protagonistas
A chuva se desprendia charmosa, apenas um anúncio das rebeldias que o céu ainda digeria. Sopros agitados confundiam as direções e dobravam os guarda-chuvas de qualidade duvidosa. Não há coadjuvantes do alto de um viaduto. As passadas serão vistas na despretensão de um ato cotidiano ou, talvez, se prendam no ar que imobiliza um pensamento, na rapidez de um soslaio instigante. Uma passarela, uma vitrine estendida entre as constelações internas e as buzinas alongadas de um horário de pico mais engarrafado do que o normal. O viaduto é apenas uma veia que abastece o coração selvagem da cidade.
Abertos feito ponte, feito via. Ou fechados, protegidos como um duto. Não importa a forma, mas os efeitos da cruza. Um encurtador de distâncias, a tesoura da engenharia, um leque aberto que mente por um minuto a irreal soberania do pedestre. Essa amálgama metálica presa por parafusos monumentais enaltece a canção dos passos, a sinfonia dos corações de fuligem: solitários, em busca de novas nascentes ou distraídos pela proteção egoísta que repetia o refrão da música enclausurada no fone.
Eu assistia aos primeiros poucos de chuva, quando os meus olhos decidiram te ver. Lembro dos Strokes que estampava a camiseta preta batida e os jeans rasgados em pontos exatos, esteticamente agradáveis. Não deixei de reparar num chaveiro quebrado que tilintava nos pulos secos do teu ritmo. A jaqueta que, amarrada numa mochila de couro, arrastava folhas secas e estendia poças antigas. Eu não te conhecia e nem iria te conhecer, mas os nossos olhos disseram. Quando nos cruzamos ali. Naquele ponto, nós: quase equidistantes, ensopados pelas confidências trocadas, nenhuma dita. Éramos íntimos. A troca justa, quista. Você ficou com a minha Lua quente em Leão. Eu aceitei a razão fincada do teu Capricórnio. Eu já poderia descrever o desespero da tua última madrugada insone e você, o meu apetite voraz pelos livros de ficção.
E eu percebi quando você resolveu mudar a playlist e escolher se ensopar com a minha canção preferida.
Sei que não viramos para trás.
No cruzamento seguinte, ainda próximo do viaduto, eu peguei o celular e escrevi uma mensagem a uma amiga distante:
— Preciso falar com você. É urgente!
Lucas Galati
(...) E vieram alguns relâmpagos; mas a água ficou retida em blocos de nuvens amargas que, pouco mais tarde, despejaram a bravura no meio do último oceano, bem depois daquela cidade extinta. Era o corpo que renascia metrópole.
(trecho do poema A CHUVA QUE NÃO CAIU do meu livro: Verde, Vermelho e Cinza).
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Caraca, Lucas!
Duas desse nível na mesma semana. Nem tirei a poesia "Afaste-se" da cabeça ainda.
Parabéns!