O mais pessoal possível
Hipocondríaco com pavor de hospital. Ansioso medicado sem ter superado a onicofagia infantil. Ateu não convicto que levanta quando o grupo de amigos decide falar de episódios do além. Sagitariano: amante da independência, mas que se desespera com decolagens e pousos. Além, é claro, de sofrer nas semanas que antecedem uma viagem planejada. Nível? Listas no Word com todos os possíveis e imaginários contratempos durante a empreitada nacional ou internacional. Em negrito, a insônia que não tenho, mas já tive e fez eu me transformar, por longos meses, na pessoa mais insuportável que já habitou o planeta Terra. Língua afiada, principalmente, em ambientes de pressão. Paciência escassa e facilidade para o melodrama, quando um cisco desestabiliza o meu hermético controle. Amante da boa gastronomia, sem condições para arcar com o alto custo dessa experiência. Amante de quase todos os tipos alcoólicos com propensão a exposição desnecessária e opiniões exageradas que me arrependo no dia seguinte. Um nível alto de baixa estima e um pessimismo voraz apelidado, por quem vos fala, de excesso de realidade. Um mentiroso sem grandes culpas. O delírio é um honesto ombro, principalmente, em assuntos relacionados ao tic-tac do coração. Criador de manias que se perpetuam pelos mais variados habitats, como a assinatura de revistas de cultura e arte, ingresso em cursos on-line de 6 meses e a avaliação de casas de veraneio no interior de São Paulo e em Minas Gerais. A academia é uma sala de tortura. Durante uma corrida esporádica no parque, idealizo um objetivo final que, normalmente, envolve algum restaurante de comida asiática logo após ensopar a camiseta com o suor potencializado pelo acúmulo moroso do sedentarismo. Fumante apenas nas sextas-feiras, mas isso já é passado. O presente caótico eu tenho tragado com vontade em maços que acabam no estalar dos dedos. Entendo o desaparecimento como necessário e irrito familiares e amigos que já pensaram em acionar serviços de emergência. Abraço em últimos casos e não seco a lágrima alheia. A vergonha é um grave impeditivo, mas que a proximidade dos 40 provocou repaginações. Detentor de um zumbido insuportável e problemas não diagnosticados na cervical…
E eu seguiria, sem grandes dificuldades e com excelência cirúrgica, na tarefa de me autodepreciar. Por outro lado, nos últimos dias, eu tenho sido bom comigo. Tenho gostado de quem eu estou sendo. Gerúndio, obviously, já que abomino definições e concretudes cinzentas em relação ao verb to be. Acho que entendi, de uma vez por todas e sem desconsiderar a dor da constatação, que o tempo não impera apenas sobre o viço da pele ou a firmeza das nádegas, mas também age e desnuda uma integridade convicta, uma maneira nova de respeitar e entender a força das atitudes. Quero dizer que tem sido bom me sentir íntegro, altivo, uno. Uma existência mais completa, mais inteira. Firme e eficaz na hora de me defender. Na hora de me escutar. Na hora que eu precisar sofrer.
E o texto não vai além porque, como disse, eu tenho medo de espíritos. (Risos sobrenaturais). Vamos combinar que seria chato mostrar todo o meu avesso e terminar cagando regra. Aqui, jaz apenas uma impressão, um esboço, um rascunho do que tem sido. Verdades maiúsculas me assombram e também me enchem de preguiça. O tempo tem as suas estranhas entregas. Qualquer outro atalho será desperdício.
Bom final de semana, andantes…
Lucas Galati
Ilustração: Laerte
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Bom bom bom.
Que texto maravilhoso.
Um beijo