Nos nós
E aqui vai uma teoria aleatória e sem qualquer compromisso em proporcionar grandes surpresas por aí. Pode ter surgido enquanto eu catalogava tipos humanos num vagão de metrô ou num desabafo choroso no último final de semana, abraçado com uma amiga que repetia frases sobre o poder curativo do tempo, enquanto o Sol se punha outonal entre os prédios preguiçosos num domingo interminável.
Colecionamos no Brasil mais de 700 mil mortes provocadas pela pandemia de COVID-19, provas absolutas sobre a negligência do desgoverno daquele-que-não-deve-ser-nomeado, brasileiros que arrastarão sintomas perversos pela vida, a descoberta ou a convivência com crises sufocantes de ansiedade ou depressão, ainda nos escondemos em máscaras e suportamos a ameaça angustiante de um novo pico da doença.
Desse cardápio virulento, ninguém saiu ileso de intoxicações. E as marcas são profundas e, por isso, aparentes. Elas ganharam espaço nas mesas, ainda nos acompanham pelas reuniões em família, num encontro casual no bar preferido ou nos corredores da boate abarrotada do centro de São Paulo. No equilíbrio exposto da razão ou nas dobras dos estímulos que movem o inconsciente, o medo se tornou um incômodo conhecido. A garganta seca, o coração dispara e a sudorese denuncia a humanidade pela camiseta. Os três passos para trás são de praxe e esperados na hora de pensar em enfrentar de novo um inimigo invisível que afetou, drasticamente, um princípio básico da natureza humana: a beleza da relação.
E, aqui, quero deixar claro: não me refiro a um caso único, de uma percepção momentânea, mas um preocupante comportamento coletivo. Nos tornamos egoístas em potencial. Estamos, involuntariamente, recolhidos em casulos cascudos. E quando tentamos despontar os primeiros centímetros de cabeça e sentir o esforço do vento, os olhos são atraídos pela luz das telas que emanam dos celulares em riste. Pronto! Nos recolhemos de novo.
Em pouco tempo, é dada a largada na formação criativa de uma teia de desculpas pegajosas:
“Mas, miga, como assim? Eu te mandei mensagem. Você que não me respondeu.”
“Não consegui. Foi a série que me prendeu.”
“O Miguel tava tão dodói. Você precisa ver como ele fica!”
“Vocês que me esqueceram. O meu endereço é o mesmo.”
E mentir é uma benção. Precisamos, muitas vezes, das mentiras para desatarraxar a válvula e permitir alguma liberação explosiva que nos fará finalmente seguir no que interpretamos como supostos avanços. Agora, as pedras estão sempre pelo caminho. Ou melhor, nesse tecido emaranhado os nós irrompem inevitáveis e nos obrigam a lembrar que a chegada dos 30, 40, 50, 60 anos não são sinônimos de cansaço extremo e recolhimento obrigatório, como profetiza os defensores da “segurança” em primeiro lugar, da militarização carniceira ou da lógica da privatização no estilo: “só até que você suma”. Ou ainda das dezenas de produtores de conteúdo que engajam seguidores e se dão por satisfeitos por acreditarem que likes são sorrisos arreganhados ou encontram motivos suficientes para encarar, através de corações virtuais, o medo do escuro.
Pandemia ou novas tecnologias? A hora já não é de encontrar as parcelas de culpa, mas quanto mais se aguenta dessa soma de saldos negativos? Nas últimas semanas, a minha formiga lacaniana assoprou, diversas vezes, no ouvido a palavra: ACOLHER. E, talvez, ela seja realmente uma parte da cura, um emplastro verbal, uma atitude transformadora capaz de reacender o magnetismo que produz um suave sismo toda vez que duas pessoas se abraçam.
Lucas Galati
Ilustração: Laerte
PS: Em relação ao texto passado, algumas pessoas acharam que eu realmente estava de mudança. Esclarecendo: a viagem está sendo puramente interna. Permaneço em éssepê. Por enquanto.
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👀E se quiser me acompanhar nas redes virtuais:
Sempre é necessário falar sobre para reconhermos qual a profundidade do caos, mas tenho esperança no retorno do " humano "
Lucas, fui uma que acreditei na sua partida numa grande aventura kkkkkkkk
Acho que o desaprender a arte da sociabilidade tem o envolvimento de muitos fatores mesmo, que chega ser difícil desatar esses nós.
Seguimos tentando! 🍀