Mas tens um cão...
E já me enganei na busca por um significado único, existencial, pétreo para a vida, um significado acima de todos os outros significados. Talvez, esse entendimento justificado tenha se construído na infância e beba dos corredores do meu diabólico colégio católico, na repetição de versículos de um Deus monoteísta e impiedoso. Talvez, seja obra das noites de segunda-feira em centros espíritas, onde a ideia de uma rápida passagem terrena com o intento de melhoria e ajustes no caráter aproximava e aliviava o peso da morte. Talvez, seja ainda por ter os ouvidos extremamente atentos aos poucos elogios que vinham do meu núcleo familiar e ter fixado mentalmente todas as vezes em que um desenho, um bilhete bem escrito ou uma nota dez em alguma matéria das Humanas se tornou um potente catalisador para a explosão de uma frase saborosa: “esse menino nasceu para isso”.
Fato é que patrocinei as minhas predileções e as tornei potentes insígnias que exibia em discursos apaixonantes e altamente distantes da realidade. Ou, ao menos, da perspectiva onírica que eu vinha escolhendo para mim. Hoje, após certeiros tapas na cara e quedas apoteóticas, a verdade se faz incontestável: sonhar é um privilégio. Ainda mais, num país ferino pronto para caçar e estraçalhar o cheiro da diferença a qualquer custo.
Mas o excesso de talco afetou os meus miolos e, em tempos de gritante solidão, escavo os destroços em busca do meu possível significado existencial. Sempre tão uno, sempre tão sorrateiro, arisco ou quiçá realmente inexistente. Afinal, há muito tempo, reconheço que, se um propósito embrulhado em dourado existe, ele não caminha de mãos dadas com a minha profissão. E, quem sabe, foi a minha lista extensa de decepções com o jornalismo televisivo brasileiro que possibilitou a retirada do cabresto e o aprendizado paulatino em dissecar até achar os resquícios dos elementos que realmente eu gostava quando entrei, pela primeira vez, pelos portões da universidade.
E se me espreguiço por aqui é justamente por reconhecer a importância da escrita como um desses elementos que me alimentam e me instigam todos os dias. Já não acredito num único propósito para a vida, mas assim como Drummond disse em “Consolo na praia”: mas tens um cão. Que eu não tenho, sou pai de três gatos lindos e afetuosos que me ensinam a olhar para as estrofes dessa poesia e querer afiar o machado e demolir o meu pedestal racional e humano.
Em outras palavras, aumento a minha coleção de naipes e com um brinde, saúdo o poder da visão e, principalmente, da mudança de perspectiva. Não aposto mais todas as fichas num único cavalo, não sou um defensor ferrenho de nenhuma unilateralidade, não abasteço mais a minha vida num amor cego e descontrolado por ninguém, muito menos pelo outro — que tanto já me decepcionou.
Nesse momento, eu quero poder me ver evidente, límpido, inteiro. E para isso, sei que eu preciso do outro. Sei que o outro é quem, muitas vezes, já me tirou da inanição, coloriu a pálida ânsia pela destruição minha ou de tudo a minha volta. A mudança reside em cultivar nesse momento o poder da relação e tirar o nome próprio desse outro. Por enquanto, levanto o copo para celebrar as histórias, os significados, as relações na sua máxima pluralidade.
Até quando eu quiser e sem saber se, algum dia, alguém realmente pronto vai virar a esquina distraído e topar construir uma vida e me transformar num motivo suficiente e amplo de felicidade. Só que eu não espero mais por isso.
Espero exclusivamente por mim.
Lucas Galati
Charge: Laerte
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Muito bonito seu texto.
o propósito da vida é o que a gente inventa para suportar o fato de que ela é tão breve.