Humanidade em stand-by
Chegou o dia. Está na hora!
Ontem, durante a minha meditação…
(Quando falo em meditação, quero dizer: encontrar uma função para um espelho velho e ficar de frente pra ele me observando fixamente até esgotar a quantidade de perguntas de um cérebro ansioso e também tentar cortar ao meio possíveis pensamentos obsessivos que tentarão atormentar o meu dia).
Continuando…
Durante a meditação, fiz uma promessa de que evitaria discorrer sobre a minha profissão na newsletter. Os motivos são vários, mas o principal deles é que acho bem clichê e tenho receio de cair num tom tosco e leviano. Por outro lado, assumo que cultivo em anos de jornalismo um número bem maior de críticas e fardos do que lágrimas de emoção, certificados ou conquistas. Sendo assim, falarei da minha profissão, mas se você seguir até o final do texto vai entender que ela é apenas um gancho, uma maneira de conectar assuntos, uma sacada. Além, é claro, da necessidade de um esclarecimento importantíssimo. Diria até URGENTE! (Vixiii. Agora, eu te convenci a ficar preso nessas linhas, hein?).
Caros internautas, vocês já assistiram filmes como Truth ou She Said?
Quais foram as impressões?
“Cruzes, que profissão incrível!”, “Eu devia ter feito jornalismo”, “O melhor filme que eu já vi”. Exemplifico apenas algumas exclamações ouvidas sobre películas que abordam esta complexa profissão. E complexa por um simples motivo: filmes como esses são excelentes FILMES.
A grande maioria dos profissionais que vive do jornalismo não saboreia essa realidade. Infelizmente. Em 13 anos de profissão, posso assegurar que esta reunião recheada de rostos sob tensão para discutir a chegada de um furo surpreendente, eu nunca vi. E arrisco dizer que nem verei nessa encarnação. O jornalismo deixou de buscar ou depender dos furos. Nas grandes coberturas, há muito mais interesse na agilidade para divulgar alguma informação qualquer do que no investimento na apuração de alguma notícia que ninguém deu. Em outras palavras, é praticamente o justo oposto. Registro na sequência uma situação que eu já presenciei centenas de vezes:
Durante a ronda por sites, agências e instituições, o pobre jornalista realmente encontra e confirma uma informação nova. Ao comunicá-la aos superiores, recebe a seguinte indagação: “QUEM MAIS ESTÁ DANDO?”…
Ouviu o barulho da bexiga murchar? É assim. O jornalista virou muito mais um curador de notícias do que um investigador de assuntos inéditos. Portanto, esse imaginário dos filmes não é compatível com a realidade da categoria em grandes e pequenas empresas de comunicação.
Isso não quer dizer que não lidamos com problemas iguais ou semelhantes aos ilustrados nos longas. Uma cobertura como a do conflito entre o Hamas e Israel nos obriga, por exemplo, a trabalhar com uma quantidade absurda de imagens tenebrosas e uma seleção de informações desencontradas e até mentirosas. A Internet diminuiu distâncias e ponto. Da zona de conflito até o Brasil, o caminho é longo e muita informação se perde no meio do oceano. E se você não tem um correspondente em Israel ou no Egito, o trabalho é redobrado.
Ficamos às voltas com a dimensão da tragédia. Perdemos o sono. Somos obrigados a tomar ansiolíticos e até anti-depressivos. Estamos sob tensão o tempo inteiro. No dia seguinte, mais imagens assustadoras. Imagens que tentamos acelerar, mas nem sempre é possível. Um take pode ser necessário para contar uma história. E vemos. E revemos. E tentamos fontes oficiais e não conseguimos. E acabamos desumanizando a humanidade. Nos acostumamos ao cenário do caos. Não respondemos mais às lágrimas de dor e sofrimento. Ou nos confrontamos com o lado mais obscuro e animalesco do homem. E ele perdura e você passa a enxergar pedestres com patas. A gente não encontra o caminho. Muitas vezes, a frieza é a única proteção. Mas estamos vivos e agitados. E lá no fundo, a gente se equilibra em algum sentido e encontra forças para mais um dia. Um furo que não virá. O furo dessa realidade. Um ofurô. Uma casinha nas montanhas, onde a gente possa voltar para a natureza. Conhecer algum tipo de paz, aumentar o som com a música preferida e apenas dançar sem precisar encontrar uma resposta. Desligar o telefone, mas ainda ouvir o grito das crianças que choram na Faixa de Gaza.
Lucas Galati
ILUSTRAÇÃO: bakal
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