FLORIPADO
É bom estar de volta…
E por mais que a independência e a paixão pela estrada sejam objetivos saborosos nessa encarnação brutalmente previsível, optei neste ano por um período de férias mais aconchegado aos meus, sem grandes estrepolias e, portanto, com menos voçorocas no meu orçamento já costumeiramente negativado.
Adepto da filosofia “ritaleeana”, cultivo uma desconfiança mórbida em aviões. Gosto demais dos aeroportos. Todo o frenesi, o café que tem o valor de uma refeição completa no boteco do lado de casa, o Duty Free, adivinhar o casal mais rico na fila de entrada do voo, os restaurantes e as vitrines com produtos inacessíveis. Quando retomo alguma realidade, os valores do cartão de crédito já se multiplicaram, sem ainda ter sentado na janelinha — um nocaute do capitalismo. E por falar nisso, o lance da decolagem e do pouso evocam sempre uma sensação de estar apostando com o capiroto. Durante o percurso, a conhecida síndrome-das-pernas-inquietas desestabiliza o meu humor e me obriga arriscar posições alucinantes numa cadeira feita para o sacrifício. Não gosto de nada durante o voo: a aeromoça me irrita; se tento me alcoolizar, sinto náuseas; sou tomado por um desejo de assassinato quando o parceiro do banco de trás abre o bocão num ronco ensurdecedor, jogando na minha cara o quanto ele não se importa com a própria vida; vigio (in)conscientemente o meu próprio ronco e o berreiro de praxe das crianças é internalizado como um sinal de emergência e produz no corpo o retesamento de todos os meus músculos.
Além disso, sou obrigado a assumir que, aos 35 anos, não cultivo mais a mesma ânsia de conhecer absolutamente todas as vielas de uma cidade gringa. Se fosse obedecer ao meu desejo, me perderia numa livraria com uma garrafa de vinho na mão ou deixaria o dia se alongar numa praça com comes e bebes deliciosos e a chance de conhecer um gatinho simpático que provocaria o meu inglês e, quem sabe, me surpreenderia com uma trepada casual e cheia de mistério.
Todas essas voltas para dizer que a opção de ir para Florianópolis foi totalmente de caso pensado. Primeiramente e como já disse, o objetivo era estar próximo dos meus. Há muito venho lidando e gostando demais da minha solidão, mas a gente se acostuma e, quase sem perceber, um modo de operação é rapidamente adotado e, então, sair de casa vira uma tarefa hercúlea e repleta de contratempos. Queria voltar a me sentir livre-acompanhado de quem me conhece desde moleque. Poder me ver refletido e misturado no abraço de pessoas que me despertam um amor vivo e encharcado de cores e texturas. Perceber que tenho uma valia enorme para essas pessoas que nunca me decepcionaram e que enfrentariam a mais penosa tortura só para manter algum segredo meu protegido. E é incrível perceber a sua importância enfatizada nos detalhes mais sutis: no desejo de fazer da refeição um momento de troca sincera e transformar a cozinha no melhor ambiente da casa — um banquete compartilhado desde o início; no esforço de rechear um dia de chuva com piadas e risadas que fazem a barriga doer violentamente; nas noites de cacheta, onde a gente podia praticamente tocar na sorte ou ainda deixar o mar narrar as nossas nostalgias e os nossos goles em cervejas já quentes.
E para terminar, se permitir o descanso. Desrespeitar por completo agendas, ponteiros, alarmes. Não precisar encontrar uma função para o dia, um roteiro a ser severamente seguido. Saber que o melhor viria da gente, da nossa relação, das trocas, da mais sincera e quista companhia. Era essa a minha maior falta. Quase como poder esquentar a memória, antes de engoli-la.
Voltar com a certeza no bolso de que eu não sou um cara que aceito bem as migalhas, que não quero esforços tremendos para caber na agenda de ninguém, que não quero medir o tamanho das palavras que saem da minha boca, que também não quero temer dizer o que eu penso, que quero poder falar de irrelevâncias e de todos os meus medos e que não aceito mais ser censurado ou negligenciado. Não mais. Que eu não preciso de nada disso. Que no melhor ou no pior momento da minha vida, eu tenho a quem recorrer. Que em 12 horas de ônibus, eu reencontro um abraço que será bem mais essencial do que três dias de conversas difusas, interrompidas por mensagens de celular, em algum bar, onde ninguém saberá soletrar o meu sobrenome e nem reconhecer a minha canção favorita.
Obrigado Consty.
Obrigado Cris.
Este texto é inteiramente para vocês.
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Que texto lindo..comovente! Elas merecem..kkk
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