Fisiculturismo digital
“Conheça melhor o seu cérebro! Veja se você usa mais o lado direito ou o esquerdo?”
— Ou nenhum dos dois! Uma intromissão irônica e desnecessária do autor. Peço desculpas, meus caros.
“Se você resolver esse problema, você pode ser considerado um psicopata!”
— Agora sim. Consigo explicar para a família inteira a minha falta de paciência, a bateria social pela metade e rompantes exagerados de ironia. Está aqui! Olha! Eu consegui resolver o problema. Largo amanhã o divã! Sou PSICOPATA!
“Se você rir, já sabe né?”
— A frase serve para introduzir sem rodeios e esfregar na sua cara a bestialidade humana com algum vídeo carregado com doses extremadas de racismo, homofobia, xenofobia ou misoginia.
“ Veja o que aconteceu com o meu gato, com o meu cachorro, com o meu pato, o hamster, esquilo da Mongólia, com a minha avó…"
— Frase que serve para segurar o espectador que vai rir alto da possível queda do animal escolhido ou torcer para algum dos gatos que disputam uma partida de vôlei com uma bola de plástico.
“ Essa piscina de plástico por…”
— PULA RÁPIDO… ARRASTA! VAI!
Poderia seguir com outros exemplos — ainda mais enfadonhos. No entanto, não preciso alongar o texto para que você reconheça que, num dia de ressaca ou numa manhã chuvosa, você já passou mais de uma hora arrastando vídeos curtos no celular. A prática é viciante e faz com que o cérebro entre numa tela de proteção. Falta só babar!
Soube até que jovens americanos estão processando as grandes donas dessas redes por terem os feito viciados em arrastar vídeos. Nessa bolha rarefeita, a cabeça dá um nó e você entrega de graça a sua identidade, seus valores, suas defesas, princípios. Tudo escoa enquanto Zuzu (Zuckerberg), Muskinho (Elon Musk) e Zhang Yiming (não encontrei apelido) faturam novos milhões. E se arrisque a falar mal dessas empresas dentro das suas respectivas plataformas! Você toma block de uma semana rapidamente e o story, por exemplo, deixa de ser visualizado. É um barato onde eles enfiam a nossa liberdade de expressão. E se você precisar de qualquer ajuda ou tiver dúvidas sobre o funcionamento ou ainda de que maneira o conteúdo produzido é distribuído, você vai receber um gigantesco silêncio.
Quem está aqui há algum tempo, já deve saber que
nasceu como uma página de Instagram. Em 3 anos, inúmeros moldes e formatos foram adotados na tentativa de possibilitar que a página tivesse algum lugar ao sol. Agora, sem danças coreografadas, piadas prontas, receitas bem editadas e um abdômen sarado fico refém da literatura. Não vendo nada. Apenas entrego palavras e algumas fotos minhas que me certificaram que era importante mostrar a minha face magricela na tentativa de tornar a experiência mais pessoal.Os meus números crescem se eu pago ao Instagram. Grana para ter mais visualização, grana para ser certificado, grana para ter assinantes. Tudo envolve dinheiro nessas plataformas, não há espaço para que o seu conteúdo fale por si. Três anos depois, não sei nem dizer se consegui definir um público da página. São diferentes estratégias para tornar a vida de quem gostou de produzir conteúdo virtual um verdadeiro inferno.
Por isso que ainda estou incrédulo com a newsletter. E no melhor dos sentidos. Apesar de estar tendo sérios problemas com o aplicativo da Substack — não consigo dar follow ou unfollow em mais ninguém — pude estabelecer relações e contatos que nunca tive em anos de Instagram. E o que é ainda mais legal: pessoas que estão aqui pelo o que eu escrevo. Apenas por isso.
Li que essa debandada tem sido cada vez mais frequente. Cansadas desse fisiculturismo digital, desse bombardeio desenfreado de conteúdos sem qualquer filtro, as pessoas têm partido rumo à redes mais nichadas. Onde seja possível estabelecer relações de verdade e consumir o que elas realmente gostam. Isso me deixou bastante feliz e esperançoso.
Afinal, arrastar vídeos só é mais uma forma de emburrecer e acelerar a vida. E relações não devem estar no fast mode, não se moldam no 2X, relações levam tempo. A vida já é fugaz, líquida, pragmática demais para ser corrida. Que bom que as palavras se encaixam bem nessa plataforma. Que são desejadas, degustadas, ingeridas.
A newsletter se espreguiçou e tem tomado os meus dias. Ainda bem…
Lucas Galati
CHARGE: Laerte
Só para lembrar que você pode adquirir o meu livro AQUI!
E se quiser me acompanhar nas redes virtuais:
no INSTAGRAM e no TIK TOK!
O Substack foi a coisa mais maravilhosa que surgiu desse mar de mijo que a internet se tornou, justamente porque consegue reviver tão bem aquele espírito personalíssimo do Blogspot dos anos 2000 – e porque, bom, é uma plataforma cuja base é a mídia em texto. Pra mim, o Substack é como um lugar tranquilo onde se pode respirar em paz, onde é fácil de se conversar, onde ninguém está me molestando com anúncios nem com dopamina barata.
Nossa, o sentimento é esse mesmo ! Sempre tive preguiça do instagram, o face, usava mais pra ter um elo de ligação virtual com a família. Mas sempre desativando pra períodos de descanso, e sem postar mto da minha vida ! Estou aqui a pouco tempo, tentando encontrar meu lugar, tanto na escrita, qto no consumo de bons conteúdos. E tenho me sentido mais em casa. Tanto que de vez enquando solto um comentário aqui e ali, coisa que em outras redes não me apetecia, até porque por lá, o simples fato de dar sua opinião, já gerava aquele "medinho" de gerar discórdia e discursos de ódio desnecessários. Me recolhi no meu silêncio, e aqui e agora me vejo mais a vontade pra ser quem sou!