Eu quis...
E eu quis dizer que sobrou muita comida na geladeira, o frango assado está perto do pote azul com macarrão ao molho branco. Eu quis contar que o meu coração está estranho e que eu conto as batidas incansáveis e doloridas. São elas que renovam algum enredo na morbidez do meu estado. E que eu tenho pensado em fugir para a praia, aquela mesma que se abria sensual e inusitada e que, um dia, quase nos levou numa onda apaixonada. Eu quis esbravejar sobre as cores sempre opacas e as folhas intrometidas e expostas pelo chão de uma árvore careca e sem nenhum propósito, espremida pelo concreto asfixiante. Eu consegui me apoiar na grade de um viaduto e derrubar uma lágrima rasa, só para entender se a poesia ainda vibra. Eu coleciono risadas forçadas e a paciência precisa ser reposta por um comprimido que eu tomo de doze em doze horas. Eu quis dizer que eu não leio com a mesma frequência e que eu finalmente entendi como uma dor nomeada pode ser funda. Eu quis colocar novos quadros na parede do quarto, mas questionei o esforço solitário e uma tontura, logo, me obrigou minutos de posição fetal. Eu quis dizer que os cigarros voltaram a ser aliados e que os porres conjuram um medo assassino e violentamente humano. Eu quis recuperar todas as fotos e maldizer a aventura honesta de casais que se perdem em promessas necessárias. Eu quis, pela primeira vez, apagar todo o sistema de nervos que explica uma memória e desafiar um semáforo intransigente. Eu quis parar com o desafio das linhas e me entregar a uma rotina obsoleta, recheada de eco e inanição. Eu também pensei em comprar uma televisão para não ouvir os cantos vermelhos, azuis, amantes da casa. Eu quis voltar os ponteiros do relógio até o horário exato em que nos perdemos. Eu quis instruções precisas para saber como pular o muro erguido na BR que escolhemos deixar de existir. Eu quis acreditar nas palavras; nas suas palavras de que será uma árdua travessia, mas eu me deparo com a beleza da sua juventude e de que os tantos anos não demorarão para caírem reduzidos e voláteis em algum hemisfério gelado do seu cerebelo. Eu quis dizer que seguirei andante, mas histórias de amor também nos esvaziam e dilaceram os novos começos que, inevitavelmente, serão cada vez menos vermelhos.
Lucas Galati
ILUSTRAÇÃO: Bárbara Malagoli
Pessoal, agora uma informação importante aos assinantes da newsletter. Depois de algum tempo pelo Substack, notei que a literatura, infelizmente, não se basta nessa insana missão de atrair novos leitores ou fidelizar os que já estão por aqui. Por essa razão, pensei em começar a produzir dois conteúdos específicos para os assinantes pagos. No meio do mês, alguma sugestão de livro, filme, exposição que será feita em tom de crônica e não de crítica. E no final do mês, dicas interessantes de programação cultural para o mês seguinte. Lembro que a minha rotina caminha pela madrugada e que me esforçarei para dar conta da programação que, aqui, proponho. Também aceitaria demais ouvir o que vocês acham. Por favor, enviem sugestões por aqui ou pelo e-mail dos Andantes: os.andantes2021@gmail.com
Um beijo.
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querer nem sempre é poder...
💔vai passar, meu amor! Vai passar….