Cor de mel
Vamos, feche os olhos. Agora sim, admita. Admita o despreparo e a angústia agitada quando a chave prateada se despediu e que algum resquício palavreado, talvez, numa silhueta fantasmagórica ou num formato outro qualquer. Talvez, parabólico e protegido pela armadura reluzente de um aracnídeo que se ergue habilmente equilibrado somente para dar forma ao ar e aliviar brincante o conteúdo assombroso de um ideia entorpecida de fumaça.
Há alguma forma de se proteger da queda? Qual a claridade que eu te assusto? Será que você entendeu os meus avessos? Que as linhas da minha teia são resistentes? Eu sou um inventor de histórias. Os enredos são presas fáceis e eu os coleciono num emaranhado romântico fosforescente e brutalmente caótico, sendas que se distraem entre as verdades e as mentiras. E no que você acredita? Eu me enveneno nesse costume quente das narrativas, do buquê de uma flor específica que me será entregue no mês que vem, na visita surpresa tarde da noite pela falta do meu cheiro, de que precisava do gosto do meu silêncio, do avesso do meu beijo, de que saberia fiar a linha e contornar as funduras até eu reconhecer a altura do voo que o prazer estabelece.
Eu tenho o seu nome para repetir, mas o tempo é ardiloso e se banha das curvas, dos arrecifes, das baías que nos descascam. Não quero me renovar, mas a solidão diária é fraternalmente inimiga. E quando não penso nas condicionais, eu me resolvo pelas sombras. O que eu vejo de mim? Até onde eu me afundo? E se eu redobrar os lençóis do meu casulo? Ou quiser escalar novas montanhas? E se os verbos sufocarem o meu tino e eu perder a consciência ao descobrir os mesmos padrões para outros tantos ouvidos?
Eu preciso ser antes meu. A minha possessão favorita. É disso que eu me sustento quase agora. Quem sabe você realmente me viu? Certamente, nada muda. Mas quem sabe? E eu quase não disse. Evitei qualquer impacto pela exaustão de esperar aventuras alongadas e terminar com mais um livro trancado na estante. Acho que a eternidade não adormecerá ao meu lado, mas ainda pode me convencer a colorir muitas mãos. Acho mesmo. Eu tenho ensaiado quebrar a visão em várias partes e que as paixões me continuem até quando eu souber discorrer sobre as pinceladas de Matisse, uma ponte cansada, mas colorida de Tóquio, um livro secreto vindo dos confins do Vaticano, o teu olho cor de mel e cheio de desejo ou simplesmente sobre o final de alguma narrativa feliz e inteiramente minha.
Só então esperar os ecos abrirem os olhos e deixarem as palavras não serem apenas paralisias.
Lucas Galati
Obra: Henri Matisse, Jazz (1947)
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não dá para se proteger de todas as quedas, mas dá para aprender a levantar sempre que necessário.