Clave de Sol
Obra “Ferida Aberta” (2018) de Linga Acácio
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As esquinas tropeçavam o caminho inventado.
Contornavam escuras e sobrecarregadas o espaço, nós amarrados ao redor do motivo primeiro. Serviam para as cantorias se apoiarem. Cantos vermelhos, quase sempre agudos. Cânticos surrados e cheios de poeira. Cantigas solfejadas de quem veio antes, de quem sabia brincar com o medo. E eu era conhecida pelo silêncio nos olhos. Não sabiam. Eu tinha me vestido de mim. Tinha me dobrado, triplicado de tamanho. Um esforço hercúleo para dominar o desespero que tomava a garganta quando anoitecia. Sendo muitas, pude proteger o núcleo, a rigidez sincopada das minhas batidas ferinas, da minha vontade de costurar as rugas e colecionar todas as notas ouvidas até eu estar pronta para rascunhar a minha música.
A nudez resistia cega, escondida nas camadas que eu não sabia mais tirar. Os sorrisos assoprava. Queria saber se eles se desfaziam no vento. Eu tragava a cidade e mastigava a imponência acesa de quem sobreviveu. De quem sobrevivia. Nas madrugadas, contemplava solitária a extensão das avenidas. As retas roubavam a minha visão de rapina e eu era guiada na ansiedade instintiva do meu objetivo.
Do outro lado. Ali. Depois daquele horizonte de cimento, dormia o meu sossego subterrâneo.
Neste dia, as esquinas cairiam mortas. Claras de passado. Eu estaria formada, de pé, nua, exposta na fragilidade da minha pele urbana. Neste dia, eu descobriria o sabor doce das marés que dormiam no meu cabelo de fuligem. Neste dia, uma flor explodiria quente do centro de um ventre acostumado com a dor concreta.
A cidade se apagaria. Eu estaria de volta.
Neste dia…
Lucas Galati
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