CATACHUVA
E eu vou te contar. Com todos os detalhes merecidos. O que se deu numa tarde longa e abafada, quando poucas gotas ansiosas de chuva já encontravam, suicidas, a queda precoce. Algumas atingiram rostos tesos e serviram para mentir lágrimas envergonhadas de fuligem; outras pareciam rebentos aflitos com um possível abandono materno e cavavam entre o concreto irregular um caminho tortuoso até algum vão, onde esperariam a chegada de tantas outras e, juntas, teriam mais chance de alongar a fatalidade da química que explica o processo de evaporação. Quase ao mesmo tempo, o cheiro molhado desprendido de cada folha jovem provocou a conversa apaixonada de um cardume de neurônios mergulhados no lado direito do cérebro de um senhor, de 79 anos, que pescava sereias abstratas no banco de uma praça e que, ao fechar fundo os olhos, relembrou a alcunha saudosa: a terra da garoa. A terra da garoa, repetia.
E foi só esperar o semáforo envergonhar e os passos percorrerem, militares, os metros que se esticavam até o outro lado da rua e foi só zarpar para uma direita apressada e tomar o devido cuidado para não tropeçar nas escadas sujas que desembocariam na estação de metrô…e foi ali. Ali, exatamente ali, antes do próximo vagão verde que me esperaria, que o ineditismo da cena roubou muito além da minha atenção.
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