"Carries"exceções
Quem mais está sipping doses ianques de Sex and the City?
O beiço elegante na beirada de um copo bem preparado de Cosmopolitan e Nova York se ajoelha aos seus pés. Uma receita encarecidamente americana: arrisco dizer vodka, Cointreau, suco de cranberry, licor de laranja e uma rodela de limão para enfeitar. Agora, é só misturar com raspas caprichadas de branquitude e adicionar suavemente notas de dólar. Se for em real, melhor caprichar em alguns dos alcoólicos para não desandar.
Criticas à parte, o enredo foi um sucesso nos anos 90 e cultiva uma legião de fãs que celebrou a vinda da série para o Netflix. E mesmo com as mais de duas décadas nas costas e notáveis avanços da luta feminista, a história ainda se mantém relevante. Afinal, mulheres bem-sucedidas e independentes ainda surpreendem o patriarcado e o mundo venenoso acostumado a silenciar, punir, escravizar ou assassinar o feminino.
Carrie Bradshaw, interpretada pela atriz Sarah Jessica Parker, é quem alinhava a narrativa num diálogo saboroso com o espectador que percorre, principalmente, as inseguranças que envolvem um relacionamento heterossexual. As melhores anedotas de uma vida boêmia na high society nova-iorquina ganham espaço na coluna de sucesso que a personagem cultiva numa revista.
Estou na primeira temporada, mas os telefones ainda tocam dentro das casas. Incrível, não? Há inúmeros desencontros, as personagens conseguem se perder pela Big Apple alucinante. E o que mais me impressionou é que uma escritora, como Carrie, compra sapatos de luxo tendo apenas uma coluna num veículo impresso. Serei sempre um saudosista neste quesito e defender os jornais e as revistas com unhas e dentes, mas, infelizmente, o anacronismo salta e mareja os olhos…ao mesmo tempo.
Bom, estamos em 2024 e eu, aos 35 anos, definitivamente, não faço parte de qualquer metiê. Sei que todos aqui já tinham essa certeza, mas preferi trazer a obviedade à tona. Dito isso, não pude evitar as idas da cabeça e pensar quem seriam as “Carries” de hoje? Numa rápida busca mental, dois nomes saltaram: Tati Bernardi e Maria Ribeiro cultivam um espaço importante na produção de conteúdo e, se eu não estou enganado, são detentoras de colunas comportamentais em diferentes veículos de comunicação. Não tenho condições para discorrer sobre a qualidade da escrita de ambas, pois praticamente não as li, mas nos meus intervalos pelas madrugadas jornalísticas já esbarrei com algumas entrevistas interessantes em programetes com vinhetas bonitas e quadros capciosos.
Eu também não conheço as principais conquistas que já tiveram na vida pessoal ou profissional. Sei apenas que Maria é atriz, amiga de todos os famosos e gosta de Matilde Campilho. Sei também que Tati Bernardi gosta de gastar, já teve uma equipe de roteiro e é deveras ansiosa, mas eu queria ser íntimo o suficiente para poder perguntar descaradamente, no meio de uma rodada de queijos e vinhos, o alcance ou o quanto se paga por uma coluna nesse esquizofrênico mundo tecnológico? É que essa realidade Petit Comité é tão, mais tão distante que, se algum dia, eu adentrar não saberei fingir costume, serei um peixe fora d’água, o Etevaldo no meio de sorrisos brancos e óculos hypados (é assim que se escreve?).
Aos jornalistas, sinto que esses parágrafos não terminam muito bem. Desculpem. Mas cada vez mais, casos de sucesso são exceções nesse universo escrito das linhas. Talvez, nos saudosos tempos analógicos, uma crônica saborosa, original e contextualizada já provocou alguma mudança de perspectiva ou foi possível se utilizar dela para solidificar uma carreira, pagar um aluguel ou evitar o vermelho por tantos anos seguidos. Hoje, eu escondo mais medos do que ambições. Indubitavelmente, a tecnologia trouxe importantes avanços, mas nos restringiu a uma tecnicidade assassina. Não somos mais pagos para pensar os meios de uma reportagem inédita, desenvolver editoriais instigantes ou argumentar em defesa de uma pauta, mas simplesmente formular cabeças ou leads secos, coordenar links de repórteres ao vivo e evitar, ao máximo, qualquer vírgula de uma opinião que destoe dos princípios que regem a empresa.
Sendo assim, despenco a realidade nos ombros e saio devorando esse mundo do avesso pelos mais diferentes formatos textuais. Um início de caminhada ambiciosa nesse projeto gratuito ou pago da newsletter dos Andantes — que só existe graças à technologie. E, talvez, nem tudo esteja perdido. Quem sabe eu possa ainda encontrar uma nova versão do zíper ou inventar uma lasanha de chocolate?
Já sei. Um Cosmopolitan com gosto de Bloody Mary e cara de Negroni? Tomaremos no nosso primeiro brunch. No nosso primeiro Petit Comité! Quando eu fizer a estreia da minha nova coluna. Combinado?
Tati e Maria, vocês estão convidadas.
Lucas Galati
😜Só para lembrar que você pode adquirir o meu livro AQUI!
👀E se quiser me acompanhar nas redes virtuais:
o cosmopolitan com gosto de bloody mary e cara de negroni me lembrou os sucos do chaves...
Sempre me perguntei a mesma coisa: como bancar esse estilo de vida mantendo uma coluna de jornal? Mas o romantismo está justamente aí.