Bye Bye juventude
Eu tenho uma gravação de áudio guardada. Eu gravei há alguns meses e mandei para um grupo ultra-exclusivo. Nele, está apenas eu. Ouço sozinho, editando mentalmente e com a vontade egocêntrica de torná-la pública — mas cultivo sanidade suficiente em assegurar que não faria isso de jeito algum. O áudio não é direcionado a uma pessoa específica. Não fui agredido, não ouvi xingamentos ou verdades absolutas. Também não errei. A gravação tem uma intenção terapêutica, um exercício para me ouvir, recuperar as palavras escolhidas e deixar Lacan orgulhoso.
Uma gravação que mais parece um diário adolescente e que mergulha de cabeça numa pergunta que me fiz num dia azedo. “Quem me escutaria?” Comecei orgulhoso enumerando com as duas mãos cheias, mas a contagem não demorou para afunilar e se restringir pelos mais diferentes motivos ao tal grupo ultra-exclusivo lá do começo.
ATENÇÃO! Este texto não busca culpados ou faz parte de uma análise do processo de vitimização, do qual eu já fui um fidedigno exemplar. Este texto também não tem nenhuma intenção de mudança ou transformações avassaladoras. Talvez, ele seja apenas e deveras saudosista. E isso faz parte da minha natureza sagitariana. Quando penso no presente, vou, inevitavelmente, para o passado. Idealizar o futuro não tem graça, sem relembrar os gostos da juventude.
Nos últimos meses, os cabelos brancos têm sido contados e o corpo encontrado numa ânsia persistente a maneira de lidar com a agilidade dos ponteiros. Eu tenho bebido menos, fumado bem menos, mesmo assim o ansiolítico quase não tem dado conta. Pode ser mais uma fase ou a aterrissagem numa questão nevrálgica da minha existência humana. Não me respondi ainda e, provavelmente, um questionamento que percorre tantos quilômetros de extensão não deve ser solucionado na semana que vem.
Pode ser mais uma crise, pode ser a maior delas, pode ser justificada numa infinidade de fatores. As palavras que escavo por aqui servem apenas para solidificar um fato inquestionável e mais indigesto do que tem sido o meu reflexo. Risos!
Envelhecer também é solitário.
O meu grupo exclusivo no celular é a prova de que os problemas não serão enfrentados como antes. A rodada de cerveja na quinta-feira com interjeições e chacoalhões dos amigos deu espaço para a fumaça de um cigarro solitário na folga de meia hora do trabalho. Os ouvidos preparados e as lágrimas calibradas foram trocados por um “OK” ou um “Tá foda!” Ou ainda: “Fica tranquilo! Na semana que vem, a gente vai se ver.” E termino a tal semana que vem, arrastando vídeos no celular que fazem eu duvidar seriamente do futuro da raça humana.
E repito: não há culpados. Ninguém errou. O que não sabíamos é que o papel celofane dourado que embalava a promessa de uma amizade eterna desbota.
E por mais que você seja o bastião dos relacionamentos desconstruídos, você vai priorizar o seu. E mesmo que tenha conquistado o troféu de amigo ouvinte por três anos seguidos, uma hora o seu problema vai ser intransponível. E quando chegar uma noite de domingo, você vai querer a cama quente.
Pois é! Acho que o meu áudio ficou obsoleto. Há quem termine este texto cansado por tanta obviedade. Não peço desculpas. Só quem conhece bem o divã sabe que as obviedades são sempre fundas, complexas e arredias.
Um beijo e bom domingo!
Lucas Galati
Bora fazer uma lista de músicas que remetam ao tema desse texto?
Daí a gente embala num papel celofane dourado e escreve: PARA SEMPRE?
Só para lembrar que você pode adquirir o meu livro AQUI!
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Me identifiquei com o texto em vários momentos, tenho duas músicas para compor a playlist: Vienna do Billy Joel e Somewhere only we know do Keane!
nossos escutantes estão sempre mudando. aprendi isso, não sem sofrer. tenho consciência de que as pessoas que estão na minha vida, daqui a dois, três, cinco anos, podem não estar mais, pois a vida acontece, movimenta, a vida leva, afasta. é uma consciência amarga, mas é.
abraços! a obviedade é o centro da existência, né? lacan orgulhoso.