bom dia...
E o casal de idosos caminha de braços dados. Eles não cultivam urgência, não tropeçam, impõem uma sincronia que desafia a elegante desordem da manhã que desponta fria e assopra corredores de ar úmido que acariciam tanto as folhas das árvores mais altas, quanto as penas dos pombos adormecidos em fios de eletricidade. Não demora para duas freiras atravessarem a rua e comentarem com o dono de uma barraca de tapioca sobre o azul intenso e oceânico do céu e, uma delas, dividir a aflição de ter, apenas no olho direito, lágrimas de sobra que escorrem constantes e involuntariamente. Crianças vestidas com uniformes de colégio, um pouco mais à frente, despertam a rua com risos altos e óbvios somente para aqueles que ainda não enfrentam os efeitos irreversíveis do tempo. Um homem engravatado saca um maço de cigarros e acende ansioso o primeiro do dia. Ele traga fundo e solta o prazer do vício, enquanto admira a organização imponente de um semáforo recém-instalado na avenida. No outro quarteirão, uma jovem atrasada ajeita os fones e aumenta pelo celular dois níveis da música que guiou o seu último relacionamento, ainda não superado. E quase no mesmo instante, uma mecânica levanta os portões de ferro e atrasa o término de um livro instigante lido por um jovem que tinha dúvidas indigestas sobre a sua sexualidade.
E da garupa de uma motocicleta, uma flor que me foi entregue e eu também derrubei um livro pesado carregado de contos sul-coreanos. O terceiro parágrafo de um deles, provavelmente na página 53, falava sobre a riqueza de detalhes da vida. E eu peguei o livro e tentei agradecer um possível admirador que já tinha virado alguma esquina e se desfeito abrupto, sem o meu agradecimento. Eu fiquei paralisado com a flor fresca na mão e o motorista de um carro, que viu toda a cena, prometeu que eu teria um bom dia.
Voltei para a casa perplexo e com um desejo abissal de entender melhor as próximas manhãs. Fiz um café carregado de proibições e circulei no calendário, preso por um imã na geladeira, o dia em questão. Pensei em desenhar uma flor ao lado da circunferência, uma motocicleta, mas desisti e me dei por satisfeito com a marcação vermelha, que também adormecia nas pétalas que, mais tarde, marcariam o livro que não seria derrubado, mas derrubaria uma civilização inteira.
Lucas Galati
Ilustração: Andrea Serio
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manhãs são sempre promissoras.