ATA-ME
Vejo pessoas costuradas e os viadutos se acidentam e os parques se encarceram, mas nada impede a linha de se amarrar nas voltas que também giram os corpos de gravata e sem destino. Vejo a banana apodrecer num dia virado e uma mosca delicada que plana livre, soberba. A mosca desconhece a morte da banana, a morte de si. Ela está inteira em natureza aerodinâmica e plana sobre o olhar turvo de um observador alimentado na inversão de relógios antigos. Vejo o horizonte engolir as ondas de um mar tempestuoso e sei que atravessar é alinhavar também, linha tecida por moiras que negociam a última remada. Elas cantam como sereias noturnas. São elas: as rupturas impostas no novelo que amarrou cidades inteiras até os confins do esquecimento. Vejo as palavras cheias de silêncios e uma boca rouge exposta para ser admirada por outras bocas distantes e desconhecidas. Vejo o semáforo se fechar e um coração adoecer no meio de uma avenida em horário de pico. Vejo uma barata roubar os restos da promessa da menina que percorreu quilômetros numa noite quente e fez a linha se estender ainda mais. Vejo a senhora esconder um perfume com o cheiro da infância - almíscar e baunilha. E ela quer escrever o que só ela sabe, o que só ela sente e ela quer poder se equilibrar pela linha que asfixiou em mais uma volta. Vejo o grito ganhar forma e explodir uma risada descabida e violenta numa circunstância proibida. E as costas sem asas não mentem o medo da altura, da resposta engolida que inflama a doença futura, de um corte inesperado da linha que seguirá até mais um dia virado.
Lucas Galati
ILUSTRAÇÃO: Julie Morstad
Só para lembrar que você pode adquirir o meu livro AQUI!
E se quiser me acompanhar nas redes virtuais:
no INSTAGRAM e no TIK TOK!