Apressa a pressa!
A pressa se apresentou no ano de 2010. Estava bem vestida, maquiagem retocada e tinha uma simpatia que reunia multidões. Era um embrulho perfeito, argumentos na ponta da língua se revezavam com pitadas saborosas de sarcasmo. Eu tinha 21 anos de idade, acreditava ser invencível e guardava milhares de sonhos e possibilidades debaixo da minha cama. A pressa me convenceu.
Convenceu de tal forma que eu realmente virei um defensor. Um adepto fervoroso. A pressa virou praticamente uma religião. Por meio dela, eu poderia conquistar o sucesso, ser visto e validado por outros. Por aqueles que eu admirava em sigilo. Eu poderia estar sempre na frente, preparado, numa vantagem que renderia louros. Contariam a minha história. Um jornalista que domava a arte da pressa.
Anos se passaram e eu permanecia convicto de que o aperto de mãos em 2010 formalizava uma amizade eterna, quase uma união estável e que como tal também passou a fazer algumas exigências.
A pressa me vestia, principalmente, em ambientes de trabalho. Como uma defesa para suportar as inúmeras dificuldades do mundo jornalístico. Dificuldades estas que, naquela época, eu não tinha qualquer estrutura emocional para lidar. Com a pressa ao meu lado, eu sempre tinha um elemento a meu favor. Um elogio a ser ouvido. Uma forma de ser respeitado por colegas de trabalho ou chefias.
Seria injusto dizer que a pressa não me trouxe nada. Pude conquistar algum espaço com a ajuda dela. Nenhum grande destaque, mas só de conseguir se manter até hoje nessa profissão, me sinto vitorioso. No entanto, aquela armadura perfeita que se mostrava disponível logo na entrada da redação, passou a fazer novas cobranças. A primeira foi pedir mais tempo ao meu lado.
Num dia em que tudo deu errado e eu pensei em desistir, a pressa me chamou de canto e disse que precisava de mais tempo comigo. Que ela não podia fazer mágica e que as benesses multiplicariam se eu, enfim, aceitasse estar com ela 24 horas por dia. Fragilizado pelo dia nefasto, assinei os termos, sem muitas dúvidas.
No dia da assinatura do contrato, eu entendi que tinha deixado uma parte minha naquela rubrica. Uma parte extremamente vital, um ponto de segurança que eu tinha como a minha melhor característica. Um aspecto que nunca foi validado ou explorado em ambientes jornalísticos, mas que sempre me trouxe orgulho e conexões vivas com tantos que também carregavam essa qualidade nas vísceras.
Eu sentia. Numa intensidade incomum. Em proporções absurdas. De maneira constante. Eu sentia o tempo todo. E naquelas circunstâncias, sentir nessa magnitude se fazia essencial e prejudicial, quase na mesma medida. Para se manter em pé numa redação, eu acreditei que só suportaria se calasse os meus rompantes de raiva, o medo absoluto, a angústia em poder ser culpado por um erro durante uma cobertura. Eu tinha que engolir os choros, esquecer os problemas que não fossem aqueles vinculados ao trabalho. Eu tinha que concordar querendo discordar, dizer que suportaria, o insuportável. Tive que mentir que eu sabia fazer, o que nunca tinham me explicado. E em todos esses momentos, a pressa estava ao meu lado.
Aceitei que eu não tinha tempo e nem espaço para sentir. Que eu tinha que ganhar de mim. E que silenciando o meu âmago vermelho, as minhas ideias e devaneios criativos, eu conseguiria permanecer firme e vivo no mundo cinza do factual. Mas, infelizmente, os ingredientes não foram colocados nas proporções desejadas e eu arrastei a pressa para o restante da minha vida.
Com o tempo, ela ganhou outro nome. Um nome clínico, pomposo e que hoje está na boca do mundo: ANSIEDADE.
Eu só não sabia que o meu contrato era vitalício. Que a pressa, a necessidade de se fazer sempre produtivo, a tal ANSIEDADE não iriam mais embora. Estariam sempre comigo. E foram longos anos até eu reencontrar e poder olhar de frente todos os sentimentos que eu engoli. Toda a gama de sentires que não deveriam ser mais silenciados. Que eu podia falar deles, assumir que eu os sentia. Dar voz a minha humanidade.
Sei que ainda estou engatinhando, mas não apresso mais a pressa. E tenho conseguido dividir melhor o trabalho da vida pessoal. Gosto mais da minha versão minha. Fico feliz cada vez que eu me encaro e me delicio comigo. Sozinho. Longe de cobranças e afazeres. Sem cultivar nenhuma persona, sem precisar agradar alguém. O preço do meu contrato foi muito alto e hoje sei que não valeu a pena.
Lucas Galati
OBRA: Ansiedade de Edvard Munch (1894)
PS: DICA BOA! LEIAM ESTA COLUNA DA ELIANE BRUM PARA O JORNAL EL PAÍS:
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É impressionante como parece que sou eu quem escreveu esse texto, impressionante!
Como canta Lenine: "Acalma a minha pressa..."
Que o tempo para apreciar a vida, se torne uma constante, pra ti e pra todos nós ! #CalmaNaAlma