AMANTICIDA
Não machuquei nenhuma pobre cadeira, mas o espelho só se manteve estático por três longas respirações no dia em que eu descobri toda a trama. Na manhã seguinte, acordei com uma sequência de vontades agudas e nuvens nos dois lados da cama. Vontade de ouvir Trupe Chá de Boldo ou Cordel do Fogo Encantado no volume mais alto da caixa de som. Quis mandar uma mensagem para alguém que pudesse exigir o retorno de Pitanga no Pé de Amora e a imortalidade do disco “A Mulher do Fim do Mundo” de Elza Soares, além da compra, em segredo, de um elixir em fase de teste que recuperaria a mesma juventude profícua e combativa de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Quis gritar uma ordem para que todos decorassem, pelo menos, um poema de Hilda Hilst e que Caio Fernando Abreu, que perdeu, há alguns anos, a sua residência para a sanguinária especulação imobiliária, fosse devorado em todas as escolas do país. Acordei solitário e pedi um especial de final de ano de Itamar Assumpção e não mais de Roberto Carlos. Aproveitei para me concentrar por poucos segundos e jogar pela janela o refrão potente de “Beatriz” na voz deslumbrante de Mônica Salmaso e que pelo menos mais um transeunte pudesse entender do que eu estava falando. Quis também que alguma rua de São Paulo relembrasse numa parede cinza os efeitos efervescentes do Grupo Rumo e da Lira Paulistana. Naquela manhã, eu quis mais casas de jazz, mais livrarias e que todos os puteiros tivessem sua valia constitucionalizada, regularizada e finalmente exposta. Uma disputa e tanto! A teta ou o terço?
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