ALÉM
E quando a dor vence a capa que já me fez invisível. Quando me descubro nu, exposto, mortal. Humano. Quando perco a normalidade dos graus que medem a fervura do meu avesso. Quando ensaio a mordida voraz do futuro adianto as lágrimas de sal propositadamente e encaro o pedaço meu que serei obrigado a lançar no abismo seco do trauma. E do fundo que habita em mim? Que me envaidece, que me entorpece. Que me desmonta em tantas parcelas vivas — minhas sementes sedimentadas para janeiros vermelhos. Ou na contagem de centenas de semblantes mortos impostos pela vaidade do coletivo, de tragar o infortúnio mascarado e assoprar a fumaça na face de outro que me asfixia, copiar as cópias mais irrelevantes, os piores exemplos, mas de alto valor mercadológico. A mesma linha que empina o papel ou lombares. Que joga refrões imbecilizados num ritmo mentido. E quando sonho enlouquecer, a realidade me acorda sonâmbulo. Desperto com todas as cem mil vozes que nutrem sinapses elétricas e abrem estradas taciturnas que pisam os meus tantos: os rumos tortos até um castelo ou um pan-óptico. Sou o capataz do meu destino. Sou a figueira que resume os três tempos, mas prefere soluçar nas modas do passado. Sou um raio que despenca os veios descontrolados de um amarelo iluminado, quase solar. Raízes de céu. Sou a negativa que se afirma valente. E o sagrado se pisca na voz das açucenas, dos rubis, das palavras sonhadas. Das palavras que não se cabem. Que não se resolvem. Que precisam de mais. Mais do que as próprias palavras. Mais do que as letras. São as palavras derramadas. Explodidas de significado. Palavras ensopadas, diluídas como uma saudade. E eu fecho o livro e eu descubro o beijo e eu mergulho nos instantes eternizados pelas fotografias reveladas e eu celebro de novo a memória. E eu penso em primeiras e últimas vezes e eu visto a minha armadura e eu conto algum segredo. Um segredo de quando eu fui infante, de quando eu errei querendo acertar, de quando eu me acostumei com o tamanho esguio da minha sombra. E eu suponho de novo um final com gosto de terra. Uma quentura maternal, de quando se volta consciente e sem uma próxima pergunta. De quando se vence ou se é vencido e o motivo extrapola a carne. Vence o corpo que é quase ou somente uma palavra. Mais uma semente. Um significado. Vivo e morto. Assim como terra. Maior do que uma saudade.
Lucas Galati
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Uau, que texto magnífico!