A noite de Lolly
Até onde os pedaços de papel amassado com os meus rascunhos chegarão? Quando a Internet ganhar a dureza de um fóssil e a lupa de algum historiador curioso quiser entender as minhas linhas num português extinto e do outro lado da janela, a Era de Aquário terá cortado as gravatas e as espalhado pelo chão das grandes cidades como sinal de protesto e de homenagem aos que vieram antes e escolheram se matar por um lugar na pirâmide regida pelos mandos do capital.
As agulhas da acupuntura sempre diagnosticaram o meu excesso de futuro que alimenta os mesmos impulsos nervosos e dizem que são como trilhas decoradas pelo cérebro. Foi também o que Lolly, uma travesti que conheci no final de semana passado, me apresentou como justificativa para ainda frequentar as boates e a noite paulistana. Dizia que guardada em casa, a cabeça se perdia em receios mórbidos e uma miríade de vontades juvenis, quase todas não realizadas. E que preferia o presente suado das boates que escolhia a dedo.
Repetiu não ter mais paciência para festas que se dizem inclusivas e estampam a bandeira gay na fachada, mas não liberam a entrada para corpos como o dela. Ou a irritação que sente com a padronização venenosa que transforma meninos em centauros. Deveriam estar malhando a cabeça e menos a bunda e ria alto de si. Nesse pequeno cabaré, Lolly revelou que, pelo menos, encontrava os seus. Todos aqueles que ainda se entendiam marginalizados em meio ao frágil discurso em defesa de uma fantasiosa aceitação existente apenas dentro de moldes asfixiantes. E enquanto você assina os termos do sequestro, a costura da venda na pele evita uma tentativa rebelde de defesa, mas a faca está sendo afiada. A faca que, mais tarde, vai entrar na jugular de alguma conhecida de Lolly. Alguma amiga que só queria uma noite de prazer.
E eu me despedi com um abraço cheiroso e virei uma dose de tequila na sequência. Desenhei um rumo já torto pelo cabaré, sem conseguir me desvencilhar das joias verbais que Lolly acabava de me entregar. De como ela traduziu o que dominava o meu peito fogoso, também abarrotado de futuro. E de como, naquela noite, eu voltava a me sentir parte de algo muito maior. De um movimento presente que eu tinha respirado há anos, quando ainda arriscava os primeiros passos na recém-descoberta homossexualidade.
E foi assim, misturando doses saudosas de passado e reparando no cadarço desamarrado do meu tênis, que eu segui até três da madrugada. Numa liberdade finalmente interessante e diversa. Uma liberdade que me fazia falta e que produziu efeitos luminosos num reflexo costumeiramente monótono, opaco, sem graça e fez eu repensar qual o ônibus que eu devo entrar quando eu quiser saborear algum pensamento sobre o futuro. E mais: quem são aqueles que eu quero do meu lado.
Obrigado Lolly querida!
Lucas Galati
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que forte, porém uma reflexão necessária para o nosso dia a dia!
que o futuro possa chegar para lolly e para todos aqueles que são marginalizados pela sociedade, e não seja cortado à faca.